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Primeira parte
Terceira parte
Quarta parte
Segundo post com comentários sobre filmes vistos na Mostra entre a segunda, 26 e a quarta, 28.
#Eagoraoque (Jean-Claude Bernardet, Rubens Rewald)
Se Jean-Claude Bernardet é co-autor que domina quase todos os filmes dos jovens realizadores paulistas com quem colaborou desde Filmefobia, faz sentido que eventualmente ele assumisse a co-direção. O fetiche Bernardet é o interesse e limite de quase todos esses filmes, realizadores cedendo a plataforma para que o crítico-performer trabalhe, neste #Eagoraoque Bernardet e Rewald partem da falência dialogo/discurso do Brasil contemporâneo para chegar em outro exercício-performance de Bernardet. A princípio podemos imaginar que se trata de algum tipo de extensão do Intervenção que Rewald co-dirigiu alguns atrás, dessa vez focado as esquerdas e há rascunhos disso quando os realizadores jogam algumas armadilhas para o Vladimir Safatle que “interpreta” um dos personagens centrais, mas #Eagoraoque é pouco mais que um sintoma do que diagnostica. Um filme travado que na melhor das hipóteses só reproduz a própria falência de diálogo que está no seu centro e no pior a explora para mais jogos estéreis de performance. O espelho está quebrado e o que resta é o narcisismo de todas as partes.
17 Quadras (Davy Rothbart)
O cineasta Davy Rothbart se tornou amigo de dois jovens negros de Washington no fim dos anos 90 e pela duas décadas seguintes filmou a família deles (frequentemente cedendo câmeras para que eles se registrassem). O material extraído para 17 Quadras é fascinante, cobrindo um material amplo de violência, contradições e transformações. Se as imagens são fortes por si mesmas, a forma como Rothbart as organiza é mais suspeita com um desejo determinista do título (eles moram a 17 quadras do Capitólio americano) a montagem que por vezes mina muito da potência que o material contém.
Chico Ventana Queria Ter um Submarino (Alex Piperno)
O cinema chega até um mundo estéril e amargo e produz uma porta de possibilidades. Pelo que li o retrato de um estar no mundo contemporâneo levou a muitas comparações com O Auge do Humano do Teddy Williams, mas no que cabe a autores argentinos sequencia por sequencia este longa de estreia do Alex Piperno me fez pensar mais no cinema do Martin Rejtman, se menos humor formal, o mesmo sentimento de encantamento iluminando um mundo deprimido e desgastado. Chico Ventana Queria Ter um Submarino é construído neste espaço entre este cotidiano morno e as possibilidades ficcionais que o cinema permite e o filme bastante feliz em trabalhar nele.
Dezesseis Primaveras (Suzanne Lindon)
A diretora Suzanne Lindon tem 20 anos e contar ter escrito Dezesseis Primaveras aos 15. É uma informação útil já que o melhor do filme é como lidar com certa forma de alienação juvenil que o cinema não enquadra com frequência, mais um misto de tédio e desejo por algo diferente do que a revolta habitual. O filme é muito forte nesses momentos e bem hábil na maneira como utiliza o homem mais velho com quem ela flerta como uma figura de fantasia de uma vida adulta idealizada bem juvenil. Lindon cineasta sabe bem como filmar a Lindon atriz de encontrar maneiras de encontrar potência nos seus gestos. O filme é muito consciente da história do filme adolescente francês (tem até um pôster de Aos Nossos Amores no quarto dela), o desejo de filiação, mas menos certo do que fazer com ela. O problema é que o filme existe num espaço de completa abstração, uma recusa ao tempo presente em nome de uma crença num universalismo bem suspeito, não há qualquer referência a mídias sociais ou qualquer outro elemento que date a ação para 2020 e como meu amigo Lucas Saturnino bem observou trata-se do mais branco filme sobre juventude francesa feito em muito tempo. O filme existe neste isolamento completo fora de qualquer contexto, uma aposta num subjetivismo total cujo radicalismo é muito interessante se nem sempre bem-sucedido.
Glauber, Claro (César Meneghetti)
O que significa Glauber Rocha ir ao velho mundo? Glauber, Claro é meio que o reverso do Antena da Raça o documentário sobre Glauber no seu retorno ao Brasil no fim dos anos 70 que estreou no Olhar de Cinema. Aqui temos as memorias das filmagens de Claro pelos colaboradores e amigos europeus de Rocha ainda vivos. O Glauber do exilio, portanto, se Claro me parece um dos filmes mais intrigantes dele é justamente por ser este confronto direto com o velho mundo, Glauber em corpo a corpo com o que via como inimigo. O filme de Meneghetti permanece nesta ambiguidade, existe a invasão radical do gênio latino americano sobre as ruas de Roma que as imagens encenam e existem as memorias dos sobreviventes europeus de uma nostalgia por uma utopia de vanguarda, da arte e de viver, que a passagem de Glauber pela capital italiana representa. O filme não resolve esta contradição, o que é tanto fonte de fascínio como de frustação.
Minhã Irmã (Stéphanie Chuat, Véronique Reymond)
Não o pior, mas o menos interessante filme que vi até aqui. Dois bons atores do cinema alemão (Nina Hoss e Lars Eidinger) num drama de co-dependencia de irmãos a partir da doença deles. Um dueto de atores literal já que os personagens supostamente se completam em vida e arte. Feito com muito bom gosto pelas diretoras Chuat e Reymond que evitam ao máximo as armadilhas do filme de doença, a tal ponto que as coisas terminam mornas além da conta. Um filme mais preocupado com o que não ser.
Miss Marx (Susanna Nicchiarelli)
Das diferenças entre conceito e realização. Miss Marx é uma cinebiografia de Eleanor Marx que busca torna-la mais relevante e atual quanto possível tanto em como aborda seu trabalho e como buscar dar forma a sua vida. Esta é a ideia, mas a diretora Susanna Nicchiarelli tem uma dificuldade enorme em lidar com o desgaste narrativo do gênero, é um filme careta e protocolar que a cada dez ou quinze minutos recebe uma rápida injeção de frescor seja pelo uso de punk na trilha seja por algumas decisões de encenação e depois retoma a normalidade. Sobra como em muitas biografias a atuação principal, no caso da Romola Garai. Termina um filme com bons ganchos para se escrever sobre, mas bastante frustrante de se assistir justamente pela promessa de algo que não sabe bem como entregar.
Mulher Oceano (Djin Sganzerla)
Imagens espelho de existências femininas, como bem cabe num filme dirigido por uma atriz, duas formas de ficções e imaginar e dar corpo um estar no mundo. Dramaticamente bem básico, mas imaginado com bastante cuidado por Sganzerla sobretudo nas sequencias com a carioca Ana. O uso tanto da Japão quanto da natureza carioca é muito bem conduzidos. Os ecos da Helena Ignez por todo o filme acrescentam um elemento a mais. É um trabalho muito sentido, personalíssimo de forte subjetividade sem com isso trair um grande excesso narcisista tão comum em estreias de interpretes.
Nadando até o Mar se Tornar Azul (Jia Zhang-ke)
Jia Zhang-ke conversa com escritores chineses visitando o festival literário de Shanxi, na sua província natal. Não é um filme sobre literatura de fato, os escritores que representam múltiplas gerações, interessam como pontes de entrada, o foco maior seus interesses na vida do interior chinês e a maneira como seus olhares sobre ele se transformam ao longo do tempo. Nadando até o Mar se Tornar Azul é um filme sobre um lugar e um tempo. Seu verdadeiro tema é olhar do próprio Jia Zhang-ke e a sua relação com sua província. Não deixa de ser um dos filmes mais emotivos dele e o esmero do que este filme composto de conversas é filmado expõe como o interesse maior está na evocação deste espaço e o encanto que ele produz sobre um olhar.
Nariz Sangrando, Bolsos Vazios (Turner Ross, Bill Ross IV)
Nariz Sangrando, Bolsos Vazios é a princípio um documentário sobre último de funcionamento de um bar de Las Vegas com seus clientes costumeiros e a melancolia típica do fim de utopia de um espaço. É um filme notável pela autenticidade com que Bill Ross IV e Turner Ross imaginam este momento de passagem e o ambiente que ele representa. O bar na verdade não existe foi criado exclusivamente para a ocasião e um espaço privilegiado de cinema, existe enquanto a câmera dos Ross encena o seu fim. O que é forte aqui é menos a sugestão de uma superfície documental, que certamente é crível, mas a força dos sentimentos expostos. O misto de elegia pelo espaço e o peso que ele sugere. A figura do cliente de bar na história do cinema é muito evocada, a boemia como liberdade, mas também na sua carga neurótica. O filme tece nestes contrastes um retrato muito rico impulsionado pela forma como os Ross conseguem imprimir verdade ao seu retrato ficcional. O filme só fraqueja ocasionalmente nos momentos onde os diretores parecem perder a confiança no seu trabalho e tentam buscar o tópico nas conversas e contrastes que banalizam o filme. Nariz Sangrando, Bolsos Vazios certamente se beneficia do contexto atual, o olho e ouvido para noites alcoolizadas e a melancolia da sua elegia batem ainda mais forte.
Prazer, Camaradas! (José Filipe Costa)
O filme de José Filipe Costa parte de um princípio dos mais interessantes: após a Revolução dos Cravos em 1975, o novo governo português patrocinou a chegada de estrangeiros para colaborar com os pequenos povoados do interior. O filme se constrói a partir de memorias e reencenações daquele tempo. Costa tem um bom olho para lugar e a forma como ele encara choque culturais e a maneira como mudanças culturais afetam políticas. É uma pena que este voltar no tempo das reencenações nunca alcançam grande força.
Problemas com a Natureza (Illum Jacobi)
O mais curioso desse filme de Illum Jacobi é como ele se filia de maneira bem direta ao cinema do Albert Serra que não costuma ser uma referência muito recorrente para outros realizadores. Está ali o mesmo jogo de biografia ficcional rustica com o deslocamento de figuras históricas e formas de explora-las contra as locações escolhidas. Aqui o filosofo conservador Edmund Burke passeia pelos Alpes em companhia de uma assistente que tem muita facilidade de se conectar com o espaço enquanto a procura do filosofo sobre o sublime fracassa. A limitação do filme é que seu Burke é um tolo tão grande que pouco sustenta uma investigação como essa, como uma esquete de 15 minutos o filme talvez tivesse maior interesse, mas ele se esgota rápido a despeito da força da paisagem e da habilidade com que Jacobi explora alguns favoritos de festivais, mas a pouca descoberta ou perversidade que dariam ao filme uma graça maior.
Summertime (Carlos López Estrada)
O primeiro longa de Carlos López Estrada, Ponto Cego, foi uma das melhores estreias recentes do cinema independente americano e este é um típico segundo filme com seu deslumbramento com o aumento de recursos. Trata-se de um musical hip hop cortando um grupo multicultural de jovens de Los Angeles. Um filme bastante agressivo no seu desejo de afirmar uma nova identidade multicultural americana quase nauseante no seu tom auto celebratório. Este parece ser o diagnostico muitos amigos que me descreveram o filme com variações de “insuportável” e confesso que essa foi minha reação pelos primeiros 15-20 minutos de filme, mas com o passar do tempo vai me ficando claro que assim como muitos musicais a superfície alegre esconde uma dose considerável de desespero. Se Summertime promete uma celebração utópica, o filme existe numa paralisia constante, uma sugestão de crise de ansiedade interminável, não deixa de ser um filme bem dos anos Trump. Sonha-se com uma miragem e desejasse que um pouco de clássica falsidade hollywoodiana a sustente diante de um presente amargo, quebrado e acuado.
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