(English version here)
(Segunda parte aqui)
A partir desta terça começa uma grande retrospectiva do Seijun Suzuki no Instituto Moreira Salles de São Paulo com 17 longas incluindo 15 em 35mm. Para comemorar a data início aqui uma nova seção do blog dedicada a filmografias comentadas. A primeira parte aqui cobre o período entre 1956 e 1963, no qual em 7 anos ele filmou cerca de 30 produções baratas para o estúdio Nikkatsu (21 dos quais estão comentados abaixo). Esse é um exercício bem enriquecedor já que a obra de Suzuki segue conhecida por alguns poucos filmes chave, sobretudo O Vadio de Tóquio e A Marca do Assassino obras primas excêntricas do filme de Yakuza, e existe muitas distorções de percepção sobre estes filmes em particular desta fase “menos madura”. A segunda parte deve seguir na quarta com mais 24 filmes entre 1964 e seu último longa em 2005.
Pure Emotions of the Sea (1956)
Segundo filme de Suzuki, um romance de porto baseado numa canção do ator principal Hachiro Kasuga (vários dos primeiros filmes de Suzuki são veículos para jovens cantores pop locais). Tem uma ambiência muito boa, bons números musicais e de humor. É essencialmente um filme para pôr o pé na indústria, mas é bem divertido e tem só 48 minutos.
Inn of the Floating Weeds (1957)
Kagusa também inspirou Inn of the Floating Weeds, apesar de aqui sersó coadjuvante e o tom do filme ser bem mais sóbrio. Uma história de vingança nas margens dos Yakuza, bem crua e desesperada. O retrato da juventude japonesa sem perspectiva é cruel. Os filmes da Nikkatsu do Suzuki variam bastante de acordo com a qualidade dos materiais, apesar de o roteiro de Inn of the Floating Weeds ter pouco de especial, ele está especialmente engajado aqui numa crença de que existe algo de apocalíptico por trás da trama.
Eight Hours of Terror (1957)
Eight Hours of Terror é o melhor filme do período entre 1956 e 1962 deSuzuki e confesso não entender como ele permanece um item tão obscuro na sua filmografia. É um dos seus trabalhos que se conectam mais diretamente com as obras principais do Cinema Novo Japonês e a viagem de ônibus aqui (uma versão sinistra do Subida ao Ceu do Buñuel com Lifeboat do Hitchcock) tem forte caráter alegórico. O ônibus termina cercado por gângsteres e a sociedade japonesa acuada precisa reagir. Engraçadíssimo e bem cruel. Menos um thriller do que retrato de um país em pânico e um veículo para as possibilidades politicas das habilidades de fragmentação e agressão do cineasta.
Underworld Beauty (1958)
Deve ser o filme mais antigo de Suzuki que frequentemente aparece nos lançamentos de home vídeo ocidentais e é fácil entender porque já que a influência de thrillers americanos do pós guerra é bem pronunciada. Assim como In of the Floating Weeds é sobre o retorno a sociedade após um período na cadeia, mas aqui o objetivo é menos vingança do que reparação. Alguns ótimos detalhes e momentos de violência cruel. Neste ponto Suzuki ainda não começou a fragmentar a narrativa, mas ele já se diverte aos momentos fazendo cenas individuais se desviar dos caminhos habituais.
The Boy Who Came Back (1958)
Outros dos retratos de juventude do primeiro Suzuki. Aqui o menino do título recém saiu do reformatório e quer buscar uma vida honesta, mas as gangues seguem no seu encalço. Tem algo aqui no retrato social que lembra os primeiros filmes do Nagisa Oshima, mas numa chave mais sentimental. A referencia provavelmente foi Nicholas Ray e nessa altura Suzuki já é um bom discípulo nos enquadramentos agressivos e expressivos. Com 98 minutos é quase um épico para os padrões do primeiro Suzuki.
Voice Without a Shadow (1958)
O princípio sugere Janela Indiscreta pela via do som (no caso a lembrança da voz de um criminoso) décadas antes do Um Tiro na Noite pena que logo vire um filme de investigação bem mais ordinário. Os méritos formalistas não sustentam a intriga por muito tempo. Não é desprovido de interesse mas a indústria japonesa da época tem thrillers B bem mais envolventes alguns assinados pelo próprio Suzuki.
Age of Nudity (1959)
Mais um filme sobre juventude sem perspectivas. Um coming of age no qual deliquencia juvenil bate de frente com a criminalidade adulta. O ponto forte é empatia que Suzuki demonstra para os seus personagens e na recusa de fazer grandes julgamentos morais num mundo sempre bastante prático. Excelente uso de scope e só 53 minutos.
Mire na Viatura/Take Aim at the Police Van (1960)
Filme de investigação conspiratória. Acho que foi meu amigo Guilherme Gaspar que definiu como “e no meio do filme eu já não entendia nada e vi que era um filme do Suzuki mesmo”. É certamente um dos primeiros filmes dele em que o gosto por privilegiar cenas individuais sobre a narrativa rotineira se estabelece. O efeito aqui é de reforçar a qualidade desorientadora do filme, a certeza que estamos sendo arrastados para um mundo de crime opressor e sem saídas.
Fera Adormecida/The Sleep Beast Within (1960)
De certa forma um complemento ideal de Mire na Viatura. Novamente um mundo de crimes subterrâneo se choca com a sociedade japonesa. Nos dois filmes existe a sugestão que a distancia entre o japonês comum e o mundo criminoso dos filmes da Nikkatsu é bem pequena. O olho para composição de Suzuki está em plena forma e é um das suas mais diretas críticas ao Japão de pós guerra.
Smashing the O-Line (1960)
Outro dos thrillers rotineiros do Suzuki aqui colocando um jornalista amoral num dilema quando sua vida pessoal é arrastada para o submundo. Assim como em Mire na Viatura o estilo fragmentado reforça a sensação de num mundo desorientado e sem saídas. Algumas muito boas sequencias de ação.
Tudo Dá Errado/Everything Goes Wrong (1960)
Entre os filmes de juventude de Suzuki este é o mais amargo e desesperançoso. A violência é mais pronunciada, os personagens atolados no submundo. Não há saídas, no fundo tudo já deu muito errado no Japão antes dos seus jovens sequer nascerem, resta-lhes encenar a destruição nas ruínas. Uma das sacadas é de que Suzuki filma tudo como faria num dos seus thrillers de ação. A sinopse da mostra relaciona o filme com Conto Cruel de Juventude do Oshima e faz sentido, mas aqui é tudo mais barato e vagabundo, mais próximo do universo dos seus personagens.
Abaixo ao Vandâlos/The Fighting Deliquents (1960)
Juventude problemática numa história que reforça disparidades econômicas. Bem mais moralista do que a maioria dos filmes de Suzuki e acho que nunca dá conta de dramatizar o conflito a contento. Merece destaque por ser o primeiro filme em cores dele.
Tokyo Knights (1961)
Assim como muitos filmes do começo da carreira do Seijun Suzuki trata-se de veiculo para um dos jovens cantores sob contrato com a Nikkatsu, aqui Koji Wada (que também protagonizou Abaixo aos Vandalos, A Hell of a Guy e The Wind of Youth Crosses the Mountain Pass). Ele herda os negócios de construção da família e descobre que eles tem um pé no crime organizado. Suzuki trata o material de forma bem leve e inconsequente, mas encontra algumas saídas criativas para manter a atenção.
A Hell of a Guy (1961)
Imagino que Wada devia animar pouco a criatividade de Suzuki já que seus filmes com ele tem menos energia que outros da época. O mais interessante de A Hell of a Guy é o humor absurdo encontrado no conflito entre a pouca idade dos seus jovens e o mundo de criminalidade que eles se envolvem. Tem mais falação do que esperamos de um filme de Suzuki e as grandes cenas de briga que supostamente o atrativo do filme não tem o dinamismo que Suzuki costuma impor.
The Man With a Shootgun (1961)
Seijun Suzuki filma um faroeste! Repito: Seijun Suzuki filma um faroeste! Tem algo de Yojimbo aqui na forma como o forasteiro se envolve com as tramas da cidade e a criatividade de Suzuki é muito animada pelas possibilidades de adaptar o gênero americano a um espaço japonês. O uso de locações e do enquadramento em scope são ótimos também, o primeiro em especial chama a atenção no constraste com os espaços urbanos e domínio de estúdio nos filmes da Nikkatsu dessa época. As cenas de ação são ótimas. Um dos melhores puro divertimentos de Suzuki.
The Wind-of-Youth Group Crosses the Mountain Pass (1961)
O melhor dos filmes de Suzuki com Wada desse ano justamente por ser o menos consequente. Aqui ele é um jovem de classe média que se junta a uma feira circense nas férias e o filme é só isso. O filme sequer se esforçar para produzir conflito, mas tem uma atmosfera receptiva muito agradável. O espaço do circo claramente desperta as simpatias de Suzuki.
Teenage Yakuza (1962)
Não é o mais criativo dos filmes de Suzuki, mas ele tira bastante da premissa de um vigilante adolescente e o seu controle formal sobretudo o enquadramento dinâmico e o trabalho com cenários combinam para produzirem um filme de ação dos mais excitantes.
Detetive Bureau 2-3/Detective Bureau 2-3: Go to Hell Bastards! (1963)
Joe Shishido teve papeis coadjuvantes em The Boy Who Come Back e Voice Without a Shadow, mas aqui começa de fato uma das mais belas histórias de amor entre a câmera de um cineasta e seu ator principal. Há algo no sorriso desviante de Shishido que muito anima o olhar de Suzuki. Detetive Bureau 2-3 é um daqueles filmes de Suzuki no qual o espaço entre filme noir violento e o filme musical vai para o espaço já que o cineasta não vê diferenças entre encenar um ou o outro. Montado como se cada corte fosse um tapa na cara do espectador. De quebra um daqueles retratos da sociedade japonesa de cabeça para baixo que mais do que justifica o subtítulo “Go to Hell Bastards!”.
Juventude da Besta/Youth of the Beast (1963)
Yojimbo na terra dos trogloditas. O Ruy Gardnier nas sinopses críticas da retrospectiva descreve Juventude da Besta como um ponto de virada na obra de Suzuki em direção a sua fase mais madura com suas soluções mais excêntricas puxando para uma abstração maior, não concordo, pois essa tendência já se encontrava em alguns filmes anteriores e como neles é bem ancorada nas ideias por trás do filme. Agora, Juventude da Besta é uma da meia dúzia de obras primas inquestionáveis que Suzuki fez então é um marco na obra dele. Filme de uma acidez enorme e retrato de um mundo violento doente onde até o instigador de Shishido não passa de outro bandido brutal. Se a trama lembra o clássico de Kurosawa não haverá aqui nenhum pingo de honra. No mundo de Juventude da Besta sequer a espaço para vítimas, só mais violência.
The Incorrigible (1963)
Tem algo neste estudo de delinquência juvenil que antecipa Elegia da Briga nos seus esforços de pensar a relação entre violência jovem e fascismo. Apesar do roteiro rotineiro é um dos filmes mais ambiciosos com sets bem criativos e um desejo de quebrar as expectativas do filme juvenil.
Kanto Wanderer (1963)
Classico filme de não há mais honra entre Yakuzas, Alguns dos sets mais criativos da carreira de Suzuki. São dois filmes em um, o da trama que segue a intriga com traições e viradas esperadas pelo tema, e da imaginação de Suzuki um quase musical a partir do encontro entre luz, cenários e as possibilidades de movimento dentro do quadro.