Ecrã 2019: Mirante e Anos de Construção

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Mirante

Semana passada aconteceu na Cinemateca do MAM no Rio, a terceira edição do Ecrã, festival de cinema experimental que na contramão da maioria dos festivais brasileiros segue crescendo e se notabiliza por um perfil bem mais arriscado de curadoria. Não tive chance de ir ao Ecrã este ano, mas pude conferir alguns filmes e aproveito para deixar aqui algumas anotações sobre dois que me pareceram muito interessantes Mirante do Rodrigo John e Anos de Construção do Heinz Emigholz.

Ambos são filmes construídos no fortuito da passagem do tempo. Em Miragem, o cineasta em recuperação prostrado na cama do quarto observa o que transcorre ao seu redor, enquanto em Anos de Construção, Emigholz acompanha ao longo de cinco anos o processo de renovação do museu Kunsthalle Mannheim na Alemanha.

Mirante é um filme animado por esta tensão entre a imobilidade e o desejo de ficção. Um fie sobre a possibilidade de se fazer um filme da cama de casa. Me fez pensar bastante no Diários da Grave do Guilherme Sarmiento que também era um filme todo na oposição entre o imobilismo e as questões animadas pelo mundo exterior. O filme do Sarmiento se assumia abertamente político desde as imagens iniciais, enquanto o de Rodrigo John vai se revelando aos poucos. A primeira metade vai animando as possibilidades de construção ficcional e o que talvez seja ainda mais essencial, as formas como a câmera do realizador pode ou não travar um corpo a corpo com as pessoas na rua. O mecanismo de Janela Indiscreta (sobretudo a primeira metade quando Hitchcock está interessado nas vinhetas da vida do prédio da frente que é algo geralmente ignorado em apropriações) tropicalizado. Com o tempo esses pequenos interlúdios e os ecos do entorno do realizador vão ganhando contornos opressores e eminentemente políticos. É impossível deixar o Brasil fora do seu quarto ou para fora de um filme brasileiro. Este movimento de contaminação é muito da força do filme tanto pela contaminação em si como dos possíveis sintomas e vícios que ela revela.

No outro extremo Anos de Construção é um filme bem claro desde o princípio. Emigholz entrega o que promete de forma por vezes ilustrativa. É um corpo estranho na obra do realizador porque as políticas de espaço que tanto lhe interessam são vistas aqui não do ponto de vista dos resultados do projeto arquitetônico, mas da intervenção da obra sobre o espaço. O filme me fez pensar bastante no Reconversão do Thom Andersen outro documentário sobre arquitetura e como o espaço é reimaginado, mas enquanto o trabalho de Eduardo Souto de Moura existia em função de reforçar os efeitos do contato do homem com o espaço, a renovação do museu aqui é imaginada em termos mais funcionais possíveis. Anos de Construção é um filme mais abertamente materialista para Emigholz, um filme de mergulho no processo, no gesto da construção, mas ele permanece um intelectual voltado para pensar nos resultados. O mergulho na obra é protocolar, uma comissão do próprio museu e o miolo do filme gira em falso. A força do filme está nas primeiras e nas ultimas sequencias quando Emigholz documenta o espaço sendo preparado para a intervenção e depois no momento em que é preparado para ser reaberto ao público. Como o espaço é repensado em termos contemporâneos e a carga ideológica do não-dito de tal processo. Há como sempre em Emigholz muito a se retirar sobre as políticas do espaço.

Um adendo: entre os curtas exibidos no Ecrã estava Reading Binging Benning que Kevin B. Lee e Chlóe Galibert-Lainé realizaram para uma oficina de crítica no festival de Roterdã do ano passado. Basicamente um diálogo sobre ver os filmes de James Benning. Pensei bastante nele enquanto via Anos de Construção e sobre as diferenças entre os projetos de Emigholz e Benning que podem superficialmente soarem próximos. Um dos pontos que os realizadores tratam é o que trazemos para a experiência do filme e eu habitualmente tenho relações radicalmente opostas quanto a Benning e Emigholz. Pouco leio sobre os filmes do realizador americano antes de vê-lo, mas faço sempre uma pesquisa sobre os do alemão, não necessariamente sobre o filme, mas sobre os seus assuntos.  O filme não se completa sem um universo mais amplo de informações. Não acho isso nem bom nem ruim, mas é uma diferença de experiência. Uma das coisas boas de um festival como Ecrã é que ele também nos faz pensar no entorno dos filmes.

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