Amanda a princípio sugere uma extensão de Aquele Sentimento de Verão, o belo filme anterior de Mikhael Hers. Está ali a morte do ente querido, o luto, o esforço de um preenchimento da vida, o uso constante do espaço público. Amanda acrescenta ai uma dose considerável de praticidade, da necessidade de negociar o dia a dia mesmo diante da perda. Termina menos um filme sobre o luto, do que sobre sobrevivência, do seguir em frente mesmo em face da mais incompreensível das tragédias.
Amanda como costume na obra de Hers é um filme muito otimista. Há sempre algo de solar nas imagens captadas. O filme tem dois momentos bem distintos, o primeiro no bloco de ação inicial, com cenas de felicidade apresentadas com uma relativa falta de direção dramática, e o segundo após a tragédia. É interessante observar como existe uma nuvem negra sobre este primeira um ato, uma impressão de algo ruim eventualmente interromperá a ação (e falo isso como alguém que viu o filme sem ler a sinopse), enquanto a segunda parte é marcada justamente pelo desejo de encontrar algo de positivo, de não se deixar abater. A transição entre elas é feita num dos cortes mais fortes do cinema recente, com uma imagem simples que ao mesmo tempo explica tudo e nos lança na mais completa confusão. Uma das mais expressivas representações do irrepresentável.
Esta relação com a perda busca um equilíbrio bem próprio, muito bem representada na sub trama com a namorada que perdeu o movimento de um dos braços que tenta equacionar essa necessidade de dar um espaço para uma pessoa e ao mesmo tempo deixar claro o desejo de estar presente ao lado dela. A ideia da presença na ausência é recorrente e o trabalho com atores é bem feliz nesse sentido e colabora com este sentimento de figuras que registram com muita força. Vincent Lacoste, em particular, nunca foi tão bem usado.
Ao mesmo tempo existe uma tensão saudável entre a maneira como trata-se de um filme dramaturgicamente bem preciso (tudo que é introduzido nas cenas iniciais se resolve de uma forma ou de outra ao longo da ação) e a liberdade com que Hers filma cada plano. A presença constante do inevitável e do imprevisível, das forças autorais que guiam a ação e do acidente que a tira do eixo. Existe toda uma possível lógica de causa e efeito – por exemplo, é um filme entre outras coisas sobre responsabilidade, cuja cena inicial mostra o personagem principal chegando atrasado para pegar a sobrinha na escola – ao qual o filme procura sempre desarmar, já que sua única certeza é que o mundo nunca se resolvera nelas.
Assim como em Aquela Sentimento de Verão ou Primrose Hill, a ação se passa sobretudo em externas. Salvo pela tia vivida por Marianne Basler que é sempre mostrada dentro do seu apartamento, todas as personagens aqui parecem muito mais confortáveis quando se encontram nas ruas de Paris e quase todas as cenas dramáticas chaves se dão em espaços externos. Até morte e luto aqui existem de forma pública, as personagens negadas a possibilidade de se recolher diante dele dada a sua natureza.
Toda essa ênfase no espaço público, o parque em particular, reforça que entre outras coisas Amanda é um filme sobre viver em sociedade. Há uma ideia muito forte de coletivo aqui seja no sistema de apoio que se forma entorno de David, seja nesse uso constante de espaço público. Nesse sentido não é acidental que apesar dele ter múltiplos empregos, sempre se apresentar como um “podador de arvores”, não só um funcionário público, mas um dedicado ao bem-estar da cidade. Ao fundo das cenas após o atentado estão lá presentes o policiamento reforçado, o parque que se fecha, os momentos de intolerância, mas no primeiro plano Amanda reforça o desejo de existir além disso, de buscar uma vida em sociedade que possa mesmo diante da catástrofe, busca ser a mais saudável possível. Diante da tragédia, viver é uma forma de resistir.
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