Mostra (9): A Prece

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A Prece, filme novo de Cedric Kahn, pode a princípio sugerir um filme sobre fé, mas é antes disso um filme sobre vício. Anthony Bajon, que ganhou um merecido prêmio de melhor ator no Festival de Berlim, está lá como um jovem viciado que pós overdose de heroína é enviado para uma fazenda comunitária mantida por membros da Igreja católica. O filme traça este longo e muito comum processo da igreja como salvação e seus efeitos.

O que torna o filme substantivo é a honestidade e distancia com que Kahn e sua equipe encaram tal processo. A fazenda é o que ela é, faz seu papel genuíno e bem intencionado de melhorar a vida daquelas pessoas, mas o filme nunca doura a pílula de que este processo de substituir a droga por Deus tem algo de aterrador, de que no fundo o que se propõe é só uma recanalização do vício para algo que não vai te matar. O vício em A Prece é somente uma forma de devoção que pode ser direciona de maneira diferente. Abordagem de Kahn calcado numa descrição de processo é muito feliz em como lida com isso. Um olhar materialista sobre crença.

A atuação de Bajon é bem hábil em apresentar essa ideia de alguém que olha com desconfiança se não resistência completa para o seu ambiente, mas sente a necessidade dele. Uma das melhores cenas do filme acontece razoavelmente cedo quando ele abandona a fazenda e uma personagem o convence a voltar e percebemos no seu olhar a lenta realização “se eu fizer o que eu quero, eu vou morrer e eu não quero morrer”. Medo é um sentimento recorrente no filme, entre muitas coisas essa relação entre medo e fé é algo que A Prece capta muito bem. Tem algo muito forte no tratamento da paisagem do interior francês por parte de Kahn, ao mesmo tempo desoladora e deslumbrante, o homem sempre prestes a ser engolido. Kahn está longe de ser um Bresson, mas na sua descrição física que ele se propõe se aproxima de como o divino devora os homens em alguns dos últimos filmes do mestre francês.

O filme tem seus momentos desiguais. O texto em especial as vezes busca uns atalhos fáceis para adiantar o processo, em particular um episódio mal-ajambrado para estabelecer os termos do último ato. A radicalização da parte final tem muita força, justamente na forma direta com que o filme leva o seu processo até as últimas consequências. Mesmo a reviravolta final para um desfecho mais apaziguador é ela própria assombrado pelo mesmo sentimento de só mais uma substituição. A força de A Prece é da honestidade com que lida com a psicologia do vício. Devoção é uma série de formas de danação, o vício é um ciclo difícil de se romper, a salvação no outro seja droga, a igreja, uma pessoa que te apoie guarda seus próprios caminhos tortos.

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