Imagem e Palavra é um dos vídeo-ensaios mais diretos que Godard realizou na sua fase pós-Historia(s) do Cinema. Não haverá preocupações com qualquer mediação via personagens ou narrativa, mesmo a persona de Godard permanece secundaria e a opção por só legendar parte das falas reorça que o filme se resolve muito mais sobre a imagem do que a palavra. Até o Godard, palhação triste figura essencial para servir de escape mesmo num filme como História(s) esta ausente aqui, apesar do filme ter seus momentos engraçados já que humor permanece uma das suas qualidades mais subestimadas.
O filme se resolve na montagem mais do que nunca. Começa ali com as mãos na moviola e com a ideia de pensar com as mãos tão interligada a este gesto de se debruçar sobre imagens e reorganiza-las. A primeira seção chamada remakes sugere por vezes um greatest hits do autor, passando por muitos das suas velhas obsessões e reorganizando as, pensasse nas imagens cansadas e operasse a partir delas. O que pensar a partir de imagens saturadas? No seu melhor encontra-se o frescor nas articulações novas, nos seus momentos mais mornos contenta-se em retomar as variações decadentistas do autor.
Mais do que nunca em Godard, Imagem e Palavra sugere um filme sobre a fragilidade desse imaginário de imagens. Por vezes parece feito a partir de uma boa biblioteca do KG, no lugar de originais, uma parcela significante do material em resolução mais baixa do que necessário e outro tanto de imagens de arquivos intencionalmente saturada. Imagens desgarradas, chegadas num limite através da manipulação de grão e cor. Vi algumas referências a relação entre cinema e pintura (pessoalmente le,mbrei da sequência do museu do Looney Tunes do Joe Dante) e outras para influência do casal Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucchi e ambas me parecem pontos uteis para abordar o filme.
A palavra do título nacional é só mais uma variação sobre linguagem. Estamos novamente no território da biblioteca das representações e como articula-la. Bom dizer que o título nacional na verdade vem do subtítulo do filme image et parole, provavelmente um trocadilho com Image en Parole, título de um livro da sua esposa Anne-Marie Mieville. Nessas articulações a sessão mais feliz é a aquela que faz a reflexão sobre trens e organização social (quase uma versão compacta filme-ensaio do último filme do Coullet-Serra). Provocativo com clipes muito bem pensados (Berlin Express!) e usando todos os poderes de montador do diretor.
Com o passar do tempo as preocupações de Imagem e Palavra passam a se concentrar sobre guerra, sobretudo sobre as diferenças entre violência e representação e a questão do Oriente Médio. Há momentos de força aqui, mas é quando se desloca ao oriente que o filme gira um pouco em falso. As questões por vezes parecem existir para colocar as reflexões em movimento mais do que por elas mesmas. Se o filme trata sobre representação e violência e qual delas veio primeiro, a sua própria resposta estética parece sempre estar mais próxima do primeiro. O árabe existe para colocar o Godard poeta das imagens em ação. Sou lembrado de uma reflexão dura, exagerada, porém não de toda injusta do Steven Shaviro à época do curta hoax de “Godard” “a única diferença entre o Godard verdadeiro e o falso é que o Godard falso mantém um nível de solidariedade anti-capitalista que o Godard verdadeiro deixou dissipar”.