Cidade em Chamas: o Cinema de Hong Kong

postermostrahkComo comentei já antes algumas vezes por aqui curei uma retrospectiva do cinema de Hong Kong produzindo entre os anos 60 e 1997 que começa hoje no CCBB do Rio (e segue depois para Brasilia e São Paulo. As datas são 2 a 28/5 (RJ), 12/6 a 8/7 (DF) e 20/6 a 16/7 (SP). E vou dar um curso em todas elas. Mas venho aqui hoje comentar um pouco cada um dos 23 filmes selecionados.

Amor Eterno (Han-Hsiang Li, 1963)
Um dos gêneros mais populares de Hong Kong nos anos 60 era a opereta, entre elas a melhor que eu conheço é Amor Eterno. Baseado na história dos amantes da borboleta, uma das mais famosas do folclore chinês, o filme consegue aquele equilíbrio raro entre tradição e modernidade, ou melhor dizendo, um filme que quanto mais adere a tradição mais moderno se revela. A história é sobre uma jovem que se disfarça de homem para frequentar a faculdade e lá se apaixona e é correspondida por um colega que a princípio não sabe que ela é mulher. Muita tragédia se segue.  Uma daz coisas fascinantes nesta história de fluidez de gênero, é que as regras da opereta da época ditavam que os interesses românticos masculinos fossem interpretados por atrizes, então são duas atrizes nos papeis centrais, uma interpretando um homem e outra uma mulher que interpreta um homem. Dirigido por Han-Hsiang Li que era o principal diretor da Shaw Brothers nos anos pré explosão do filme de ação e fez muita coisa interessante na primeira metade dos anos 60. Uma curiosidade este foi o filme mais popular na Asia nos anos 60, o Ang Lee tem uma história ótima sobre como a mãe dele abandonava ele os irmãos sozinhos para rever o filme todo dia por meses. Em 35mm.

O Grande Mestre Beberrão (King Hu, 1966)
No meio dos anos 60, um dos poucos filmes estrangeiros de penetração em Hong Kong eram os filmes de samurai japoneses, foi então que a indústria local foi buscar inspiração na literatura e levar ao cinema os wu xias, as aventuras de espadachim. King Hu foi o maior cultor do gênero e O Grande Mestre Beberrão, um dos primeiros e melhores exemplares. A trama não poderia ser mais simples, uma missão de resgate e uma história de vingança que se entrelaçam, e King Hu a reduz ainda mais para valorizar a ação. A montagem exata, o enquadramento super dinâmico, os duelos de espadas captados para valorizar os movimentos dos atores, quando se descreve um filme como O Grande Mestre Beberrão. Os dois heróis a Andorinha Dourada vivida por Cheng Pei Pei e o mendigo bêbado de Yueh Hua, são ótimos e o filme é cheio de contornos inesperados como quando a ação para por um número musical de um coro de crianças. E deve-se dizer que as cenas de espadachins são muito variadas. É o único filme que King Hu rodou para a Shaw Brothers, depois dele brigou com os caras e passou a maior parte do resto da carreira em Taiwan, único motivo pelo qual este é o único filme dele na Mostra (sou um curador chato e metido a precisões históricas), mas tudo que ele fez no resto dos anos 60 e 70 é exemplar. Em 35mm.

O Arco (Cecile Tang, 1968)
O Arco é uma das primeiras produções independentes realizados em Hong Kong e o primeiro filme dirigido por uma mulher local. Cecile Tang buscou o financiamento no exterior, assim como alguns dos seus principais colaboradores, o lendário Subrata Mitra, fotografo dos filmes de Satyajit Ray, e o documentarista Les Blank, responsável pela montagem. Isto indica muito das ambições de Tang, e seu desejo de realizar um filme em dialogo estético com os cinemas novos da década de 60. Em contraste com suas imagens arejadas, O Arco conta uma historia clássica do apagamento da identidade e desejo feminino na sociedade oriental, com uma viúva famosa por sua castidade e pronta para ser homenageada com um monumento apaixonada por um jovem soldado hospedado em sua casa, mas forçada a reprimir seus desejos pela sua posição. Poderia ser um filme de Kenji Mizoguchi, mas o espaço abstrato e a natureza simbólica das suas imagens pertencem a Tang. O Arco existe neste conflito constante entre modernidade e tradição, super consciente de toda uma história de formas (literárias, cinematográficas, sociais) aos quais responde e do desejo de leva-las um passo adiante, de buscar novas maneiras para interpreta-las e assim romper com a opressão sofrida pela mulher.

Golden Swallow (Chang Cheh, 1968)
A Andorinha Dourada de Cheng Pei-Pei roubava a cena como a heroína decidida de O Grande Mestre Beberrão e dois anos depois ganhou essa sequencia. King Hu já havia deixado Hong Kong e o filme caiu nas mãos de Chang Cheh. Em comum os filmes tem Chang Pei-Pei e as belas paisagens. De resto, este é um filme de Cheh, a câmera é mais nervosa, as ações mais violentas e instáveis. A trama mais dramática e tortuosa. A Andorinha Dourada fica dividida entre dois homens (Jimmy Wang Yu e Lo Lieh) e cada um dos três vértices deste triangulo representam um olhar diferente sobre a ideia do heroísmo. Jimmy Wang Yu que tem o arco mais dramático rouba a cena. Assistir aos dois filmes da Andorinha Dourada, é notara riqueza e variedade que o wu xia permitia e Chang Cheh é ao seu modo um mestre tão grande quanto King Hu.

Confissões Intimas de uma Cortesã Chinesa (Chor Yuen, 1972)
Confissões Intimas de uma Cortesã Chinesa é um dos mais belos filmes de exploitation já feitos. O contraste entre a aspereza da trama e a força das imagens cuidadosamente compostas por Chor Yuen representam muito da força do filme. História de vingança e indignidades. Uma jovem é sequestrada e escravizada transformada em atração de um bordel de luxo passa por todas as merdas possíveis, mas se aproveita da paixão da cafetina lésbica para iniciar seu plano de vingança. Filme perverso que passa frequentemente por caminhos inesperados e sempre muito criativo nas situações e imagens. Chor Yuen sobre quem escrevi aqui no blog antes fez de tudo em Hong Kong, melodrama familiar, sátiras, filmes sociais, comédias rasgadas, wu xias, policiais, romances. Em 35mm.

Irmãos de Sangue (Chang Cheh, 1973)
Nos anos 70, Chang Cheh era o principal diretor da Shaw Brothers e realiza entre 5 e 6 filmes por ano para seguir a produção de alta escala do estúdio. Claro que ninguém vai filmar no mesmo nível sempre neste ritmo, mas impressiona a quantidade de grandes obras e a coesão que ele manteve ao longo desses anos. Irmãos de Sangue é da altura em que a febre do wu xia era substituída pela do Kung Fu incentivada pelo sucesso de Bruce Lee, suas cenas de ação representam este momento de transição. Grande filme de guerra, estudo sobre o poder e seus efeitos. Três homens se unem no meio do caos da guerra e lideram as forças para dominar uma província, vitória conquistada o general sob ao topo e é ai que os irmãos de sangue são testados. É uma das dramaturgias mais cuidadosas da filmografia de Cheh. Em 35mm.

Os Detetives (Michael Hui, 1976)
Um engenho de concepção e da crença de que tudo vale pelo humor. Michael Hui foi o maior comediante de Hong Kong nos anos 70 e 80 e quando fez Os Detetives, seu terceiro filme como diretor, sempre ao lado dos seus irmãos o galã Sam e o explorado Ricky, era a maior atração dos cinemas locais. O filme não tem propriamente uma trama, mas uma situação, Michael é dono de uma agencia de detetives que trata muito mal seus funcionários Sam e Ricky, que se desdobra numa série de esquetes engraçadíssimos. Não existe uma gag que não seja sempre retomada de alguma forma mais tarde e fique ainda mais engraçada da segunda vez. O filme não para nunca, não há interlúdios românticos ou pausa para ajudar a trama andar, se não se achar uma gag engraçada dali a 156 segundos vem outra. Michael Hui era o raro comediante desprovido de narcisismo, sua persona um pouco como a de WC Fields era do sujeito turrão e pouco agradável, aqui o mau patrão que na maioria das comédias seria o antagonista. O universo é claro conspirará para lhe dar uma lição atrás da outra, mas ele nunca aprende.

Ho, o Sujo (Lau Kar Leung, 1979)
Lau Kar-leung começou sua carreira como coreografo em filmes de artes marciais nos anos 60 antes de ser promovido a diretor na metade dá década seguinte. Um estudante do Hung Ga, uma das variações do kung fu dos monges do templo de shaolin, desde os cinco anos de idade para ele o cuidado com o corpo e a expressão pela via do movimento eram uma verdadeira filosofia de vida. Entre todos os seus filmes nenhum expressa isso melhor do que Ho, o Sujo, no qual a criatividade de Lau para imaginar sequencias de ação alcança o auge. A trama é simples com a amizade entre um príncipe que prefere viver disfarçado entre os súditos e o pequeno ladrão que ele promove a seus guarda costas, a nobreza do kung fu eleva o criminoso Ho, mas o que importa são os movimentos e como Wong Yu e Gordon Liu alcançam uma perfeita sincronia. Afinal, o que o corpo humano é capaz de fazer? Ho, transborda invenção do uso das cores e cenários a precisão da coreografia. A arte de Lau é comparável a de Astaire ou Kelly na graça dos seus movimentos. As duas sequencias de ação finais com o príncipe ferido só tendo uso de uma perna e mestre e pupilo em necessária sintonia contra um exército são uma aula de como o corpo desliza pelo plano, uma série sublime de pontapés e saltos dignos de Astaire e Rogers a dançar cheek to cheek.

Não Brinque com Fogo (Tsui Hark, 1980)
Um dos grandes filmes do cinema novo de Hong Kong, este terceiro longa dirigido por Tsui Hark começa com um grupo de jovens colocando uma bomba numa sala de cinema e termina com o protagonista desesperado atirando contra a câmera. Filme radical e confrontador, o tema é a delinquência juvenil, os jovens entediados com muito tempo livre e um mal definido mal estar para com a sociedade. Tem uma das melhores personagens do cinema local, a jovem que assiste os rapazes colocarem a bomba no cinema e os chantageiam para entrar para turma, ao contrário deles o sentimento de alienação e revolta dela não poderia ser mais claro. Filme de antologia do cinema punk, Não Brinque com Fogo foi censurado pelas autoridades inglesas e Tsui gastou mais de ano para chegar num corte considerado aceitável pelo governo, hoje em dia o filme circula numa versão reconstruída com muito dos trechos censurados existindo só em imagens de baixa qualidade.

Os Refugiados do Barco (Ann Hui, 1982)
A partir de 1978, o sudoeste asiático se viu a volta com o drama dos chamados “boat people”, refugiados vietnamitas abandonando o país ainda arrasado pelos efeitos da longa guerra (mais de vinte anos contando os conflitos com franceses e americanos) e muitas vezes perseguidos pelo novo regime comunista. Hong Kong, Tailândia, Malásia, Indonésia, Cingapura e Filipinas receberam um grande número de vietnamitas, parte dos quais foram relocados ao ocidente e parte permaneceu neles. Como colônia britânica, Hong Kong se torna um destino buscado, porta para o ocidente, mas com frequente ressentimento por parte da população local. É sob este contexto que a diretora Ann Hui realiza uma trilogia sobre o sofrimento dos refugiados O Garoto do Vietnã (1978), A História de Woo Viet (1981) e este Os Refugiados do Barco (1982). É neste último que ela vai voltar até o Vietnã para imaginar a vida que levaria os refugiados a fugir: o estado policial, a falta de perspectivas, as novas zonas livres econômicas, as desilusões dos antigos revolucionários descartados pelo novo regime, as realidades (e frequente desumanidade) de uma geração que se formou sob o signo de uma guerra brutal. Um filme duro, seco que por vezes beira o cinema de horror bastante consciente das imagens que produz e do peso simbólico do Vietnã. Existe o sonho de fugir para os personagens, mas não muita escapatória para o espectador, mesmo o personagem-guia (um fotografo japonês) permanece uma testemunha negado o arco enobrecedor que muitos filmes do gênero propõem. O filme permanece focado na compaixão pelo drama do povo vietnamita. Este segue o filme mais conhecido da Ann Hui que segue ativa (ela figura frequente nas minhas listas de melhores do ano) e muito eclética nas suas escolhas de filmes. Em 35mm.

Nômade (Patrick Tam, 1982)
De certa forma o contraponto ideal a Não Brinque com Fogo. Lá tínhamos o desespero, a ausência de perspectivas. Aqui, temos uma busca desesperada por algo difícil de definir. Uma esperança de renovação. São um casal de amigos de classe alta que se envolve com membros da classe trabalhadora, ela com um salva vidas e ele com uma moça que conhece num bar. Nas sombras deles a figura do antigo namorado dela, um ex-membro do exército vermelho japonês vivendo clandestino em Hong Kong. O mal-estar de Não Brinque com Fogo também está aqui, mas se ali sobrava um desejo suicida, aqui procura-se uma utopia (social. econômica, sexual). “Nós somos a sociedade”, uma personagem de clara prestes ao fim do filme e Nômade acredita sinceramente na ideia de que uma sociedade melhor é possível. Assim como Não Brinque com Fogo, Nômade sofreu com a censura, os ingleses tesouraram as cenas de sexo e os financiadores forçaram Tam a um final mais ambíguo

Projeto China (Jackie Chan, 1983)
Jackie Chan foi alçado ao estrelato em 1978 com um par de comédias de artes marciais dirigidas pelo Yuen Woo-Ping, Drunken Master e Snake in the Eagle’s Shadow. A partir dali começou regularmente a se auto dirigir, mas é com Projeto China que ele vai dar o segundo grande salto em sua carreira. É quando seu domínio sobre coreografia e combinação de humor e ação dá um passo a frente. Jackie Chan tal qual pensamos começa aqui. É também o filme no qual ele primeiro desenvolveu seu personagem típico para além do jovem arrogante que precisa das lições das artes marciais para se reposicionar perante ao mundo que se especializara até ali. Projeto China também marcou o começo da fase mais rica da sua parceria com seus amigos de infância Sammo Hung e Yuen Biao com quem contracenaria frequentemente ao longo da década.

Police Story (Jackie Chan, 1985)
Projeto China de certa forma foi um rascunho excepcional para Police Story, a obra prima de Jackie. Ele interpreta basicamente o mesmo personagem do filme anterior, mas agora estamos na Hong Kong dos anos 80 e os piratas de Projeto China viram aqui um grande traficante (Chor Yuen). Chan tem que proteger uma testemunha (Brigitte Lin), capturar os criminosos e driblar a namorada ciumenta (Maggie Cheung). As cenas de ação são as melhores e mais audaciosas da carreira de Chan. Ontem mesmo conversava com um amigo meu que acabara de ver o filme pela primeira vez “Filipe, quantos dubles morreram no Police Story” “Nenhum” “Não é possível, não dá para tanta gente fazer tudo aquilo e todo mundo sair inteiro”. Digamos que Jackie Chan acredite que vale tudo para satisfazer seus espectadores.

Alvo Duplo (John Woo, 1986)
John Woo combina duas fontes de inspiração o drama social de Patrick Lung Kong e as explorações de heroísmo e irmandade de Chang Cheh. A trama é extraída direto de The Story of Discharged Prisoner de Kong, a forma vem de Cheh. Desse encontro e atualização dos wu xias para os tempos modernos surgiu uma nova ideia de cinema de ação com uma coreografia musical sem nenhuma preocupação com crível intercalada com uma ideia de melodrama. E Woo é antes de um grande diretor de tiroteios, um diretor de emoção cujas cenas de ação apenas extrapolam os sentimentos a flor da pele dos personagens.

Sonhos do Teatro de Pequim (Tsui Hark, 1986)
Politica, amor, teatro, revolução. Tsui Hark homenageando o teatro clássico chinês, mas de um jeito só dele. Há um prazer e descoberta aqui muito refrescantes. É o primeiro filme de Tsui como seu próprio produtor, e começa um projeto de cerca de dez anos de reimaginar cultura e história chinesa. Brigitte Lin, Sally Yeh e Cherie Chung., três atrizes maravilhosas raramente tão bem usadas. Uma revolucinária, uma ladra e uma atriz insatisfeito. Muitos encontros e desencontros, intriga, humor, romance e ação. É um exercício em liberdade.

Os Condores do Oriente (Sammo Hung, 1987)
Sammo Hung filma os doze condenados com um grupo de prisioneiros chineses numa missão suicida no Vietnã pós guerra. Um exercício para os esforços de coreografia de Sammo. Dos seus filmes mais violentos e menos engraçados. Um exemplar do cinema de Hong Kong no fim dos anos 80, vale tudo, muita criatividade e desrespeito total as regras e o bom gosto.

Rouge (Stanley Kwan, 1988)
Hong Kong anos 30, cores quentes, ambiência das casas noturnas, a paixão proibida entre uma cantora de cabaré (Anita Mui) e um herdeiro (Leslie Cheung). Do nada um corte abrupto e atravessamos 50 anos a uma metrópole contemporânea de cores desidratadas no corre-corre do capitalismo moderno, o fantasma da cantora surge diante de um jornalista com o mais mundano dos desejos postar um anuncio de jornal a procura do amado que nunca lhe encontrou no além.  Rouge é um filme destes radicais contrastes, filme de cinema e sua antítese. O prazer de narrar, o prazer de imaginar essas imagens românticas do qual só o cinema é capaz de produzir. O que está em jogo é o valor desse romantismo, como ele é um veneno necessário. Como a presença da fantasma e sua trágica história de amor afeta o jornalista e a sua namorada, injeta uma vida nova no seu meio, mas como ela própria se deixa asfixiar pelas suas próprias crenças românticas. A frente do filme estão Mui e Cheung, estrelas maiores do cinema local, de imenso glamour e presença de cena. Quis o trágico destino que Mui e Cheung ambos morressem 15 anos depois com poucos meses de diferença (ela de câncer, ele de suicídio), permanecem ali conservados no esplendor das suas belezas jovens, eternizados como ícones do romantismo, rever Rouge com isso em mente faz o filme doer ainda mais.

Pedicab Driver (Sammo Hung, 1989)
Um dos melhores filmes do Sammo Hung. Tem um pouco de tudo romance, comédia, cenas de ação incríveis, tragédia, uma raiva pela exploração e uma apreciação pelas capacidades de expressão do corpo humano. Como sempre em Sammo estamos no terreno do balé de corpos, mas aqui sobre a luz de um mote masoquista, a punição constante das cenas de ação interligadas ao caráter romântico do filme. Estão todos dominados pelos meios de produção contra os quais Sammo se revolta uma cena de porrada por vez. Claro, tem aquele momento quando o filme todo para e Sammo Hung pode prestar uma homenagem ao Lau Kar-leung, e se você se interessa pela história das artes marciais no cinema, não dá para não se emocionar.

Fervura Máxima (John Woo, 1992)
Quando John Woo fez Fervura Máxima, já estava de malas prontas para Hollywood e o filme é ao mesmo tempo obra de uma violência catártica que aponta um desejo de fuga e um sumário de tudo que realizara nos seis anos anteriores. Estão ali todos os movimentos, imagens e temas que ele se ocupou. Um filme previsto sobre a ideia do efeiro colateral, inocentes morrem de novo e de novo em meio aos tiroteios de Woo, até os heróis ocasionalmente acertam o alvo errado.  O filme termina com uma longa sequência de cerca de 40 minutos de um tiroteio num hospital, expansiva e sustentada como nenhuma sequência de ação desde então. E esta lá este espaço dedicado a salvar vidas, transformado numa zona de guerra entre um estado (ineficaz, que mais atrapalha do que ajuda) e uma horda de gangsters que se multiplicam como zumbis lideradas por um sujeito que diante da perca de lucros diz “agora inocentes devem morrer”. A violência é sádica, inocentes estão constantemente na linha de fogo, o clímax envolve o esvaziamento de um berçário. Quando Chow Yun-Fat, num dos seus melhores papéis, se vê frente a frente do vilão no final, após duas horas em que ele mais que justifica o título cantonês do filme ser “deus dos policiais cabeça quente” só lhe resta se ajoelhar e declarar “sou um impotente”.

Amar Você (Johnnie To, 1995)
A mostra cobre o período até o retorno de Hong Kong a China em 1997 e portanto os anos mais ricos da carreira de Johnnie To acontecem depois dela,mas ainda assim ele realizou muitos filmes muito bons ao longo da década anterior, The Big Heat (1988), All About Ah Long (1989), The Heroic Trio (1992) e este Amar Você. Escolhi este Amar Você pois é dentro desses o que mais prenuncia seus trabalhos futuros. É a primeira parceria de To om Lau Chin-wan, aqui um policial durão à Dirty Harry num processo de divorcio que certo dia é emboscado e leva um tiro na cabeça, sobrevive, mas a partir dai começa um processo de reeducação, o policial de uma hora para outra limitado e na dependência dos outros (sobretudo da quase ex-esposa gravida do amante) precisa reestabelecer sua relação com o mundo. É um filme pouco visto, mas muito forte.

Companheiros, quase uma História de Amor (Peter Chan, 1996)
É uma história de amor. Peter Chan reimagina a última década de Hong Kong antes da reunificação pelos encontros e desencontros de um casal de interioranos chineses que emigram para Hong Kong em busca de melhores oportunidades. Ele (Leon Lai) querendo juntar o suficiente para trazer a noiva, ela (Maggie Cheung) pronta para fazer o necessário para vencer no mundo cão da terra das oportunidades capitalista. Viram amantes de ocasião por comodidade e aos poucos algo mais. Um filme de sentimentos desnudos, dos melhores romances das últimas décadas e um dos melhores papeis de Maggie Cheung.

O Deus da Cozinha (Stephen Chow, Lik-Chi Lee, 1996)
Stephen Chow, sucessor de Michael Hui como grande comediante de Hong Kong e nas últimas três décadas o ator mais popular da China. Chow é mais conhecido por aqui pelos seus filmes do começo do ano 2000 (Kung Fu Hustle e Shaolin Soccer), mas este O Deus da Cozinha também é engraçadíssimo. Chow faz o seu típico sujeito arrogante e babaca prestes a levar uma rasteira do mundo e aprender uma lição, aqui o tal dEus da Cozinha, o maior cozinheiro de Hong Kong que a muito vendeu a alma para o diabo (e pos o nome em todo e qualquer tipo de produto duvidoso), ai ele leva uma facada nas costas, perde tudo, vai para a rua e tem que reaprender a cozinhar do básico para recuperar o título. As cenas de cozi9nha parodiando a tradição de cinema culinário local, são ótimas, não há nada que Chow não faça por uma boa gag e o filme tem uma escala grandiloquente muito particular para uma comédia.

Made in Hong Kong (Fruit Chan, 1997)
Fruit Chan atualizando os filmes de delinquência juvenil do Cinema Novo para a altura do retorno para China. É o filme mais barato da mostra, feito com atores desconhecidos (apesar de Sam Lee ter feiro longa carreira depois) e negativo vencido que Chan conseguiu com cineastas amigos (e uns trocados que Andy Lau deu a ele). Um pequeno gangster e uma garota suicida unidos por um par de cartas. Primeiro filme de uma tetralogia que Chan realizou sobre os sentimentos de Hong Kong no momento de retorno a China (os outros são The Longest Summer, Little Cheung e Durian Durian) que é o que de mais rico se produziu no calor do momento. Há algo de imediato na relação da câmera de Chan e suas personagens e a maneira como ele confronta o abismo das suas incertezas.

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