Alguns Filmes da Semana (10 a 16/02)

PaixaoeVirtude

Paixão e Virtude, de Ricardo Miranda

The Magnificent Concunbine (Han-Hsiang Li, 1962)
Princess Chang-Ping (John Woo, 1976)
Um mesmo gênero popular, a opereta, e dois momentos muito distintos da indústria de Hong Kong. Em The Magnificent Concunbine, toda a estrutura da Shaws Brothers a disposição, incluindo o principal diretor da casa na época, o muito talentoso Han-Hsiang Li para recontar a vida e sacrifício da concubina Yang Guifei, a mesma figura histórica que serviu de inspiração para A Princesa Yang Kwei Fei de Mizoguchi (uma co-produção da Shaw & Sons, o primeiro estúdio da família Shaw). Um filme ágil, muito luxuoso no qual a intriga política existe pelas suas possibilidades dramáticas e musicais. Corte para 14 anos depois e cá estamos nós com este filme do começo da carreira de John Woo, a opereta abandonada pela Shaws em função das artes marciais, mas ainda popular com a plateia. Filme independente lançado pela Golden Harvest (a principal competição da Shaws, mas uma que se especializou em ser distribuidora não produtora frequentemente dependendo de independentes para completar a sua cartela). Os cenários são simples, a trilha menos marcante, há uma dissonância entre as origens primeiro escalão do gênero e o filme que vemos. A Princesa Chang-Ping não parece pertencer a tempo nenhum, nem ao apogeu das operetas de Li, nem a Hong Kong do fim dos anos 70. É um dos primeiros filmes de Woo, e é útil lembrar que antes de explodir com A Better Tomorrow, ele era conhecido sobretudo como um hábil diretor de comédias populares. Este filme reforça que ele era conterrâneo dos cineastas do chamado Cinema Novo de Hong Kong, com os quais ele raramente é aproximado (salvo pelo Tsui Hark) e seu tom áspero e cru sugere os revisionismos das formas populares que se tornariam mais comuns no cinema local dali a 4-5 anos, mesmo que por acidente.

Ele, o Boto (Walter Lima Jr., 1987)
Revisionismo era o mote de Walter Lima nos anos 80 quando se dedicou a um velho projeto de Humberto Mauro em Inocência e aqui a um antigo roteiro de Lima Barreto a partir de uma ideia da Vanja Orico (o filme ainda é dedicado ao Mario Peixoto, como se Walter quisesse entre os dois filmes fechar a santíssima trindade do nosso cinema clássico não chanchada). Remonta-se ao folclore dos ribeirinhos da Amazonia, a figura do homem-boto que visita a terra dos homens para seduzir suas mulheres. História de sedução, história de terror, o cinema popular brasileiro sempre teve um bom pé para este fantástico. O que mais me impressiona é a personalidade do boto (bela atuação física do Carlos Alberto Riccelli), uma criatura anarquista, que parece antes de mais nada ser movido pelo desejo de tripudiar do mundo dos homens, a sedução somente uma parte das suas armas, que a mulher escolhida (Cassia Kiss, ótima) tenha como pretendente um Ney Latorraca tentando gourmetizar a região só reforça o boto como espécie de figura de resistência. A procura pelo filho, acrescenta um toque de Mojica, mas imagem que me fica é do boto a fugir dos homens com tanto prazer no ato de dribla-los. Enquanto o mundo dos homens decai, a natureza tripudia.

Paixão e Virtude (Ricardo Miranda, 2014)
Paixão e Virtude foi o segundo filme do que deveria ser uma trilogia a partir de textos pouco conhecidos do início da obra de Flaubert (o primeiro é o também bem interessante Djailoh de 2011). Agora incompleta, pelo falecimento de Miranda alguns meses depois do lançamento do filme. Filmes sobre o ato de por em cena um texto, que paradoxalmente obscuro permanece distante do espectador. Do ato de imaginar sensoriamento o mundo, com destaque particular para as locações e atores. Tem um que das adaptações de Bressane, outro tanto de Oliveira, mas antes de mais nada de uma liberdade muito própria. Me parece dos filmes mais fortes feitos por aqui nessa década. O Paulo Santos Lima escreveu muito bem sobre o filme na Cinética à época da primeira exibição.

ManHunt (John Woo, 2017)
A última década não foi das mais felizes para o Woo. Desde o retorno a China, ele vem revelando uma dificuldade enorme de se adaptar a indústria local. Este Manhunt sugere um filme seguro após um par de superproduções de época: filme de caçada entre dois homens que aprendem a se respeitar, passando por uma série de sequencias e motivos visuais que aludem aos tempos melhores do diretor. Pura digressão, um passeio em casa. Só que se a aparência de filme B é simpática e se há o inegável know how do diretot para imaginar sequencias de ação, tem algo aqui que nunca decola. Eu diria que o motivo é porque Woo é sobretudo um diretor de melodramas para os quais a ação é uma forma de extensão barroca musical dos sentimentos dos seus personagens. Como aqui o drama é nulo, uma reles autoparódia, essas sequencias giram em falso. Woo já trabalhou nessa chave antes (A Better Tomorrow 2), mas falta a Manhunt o que aquele filme tinha de corrosivo e anárquico. Nada mais distante do filme do que aquele princípio católico de purgação violenta que sempre animou os filmes do diretor.

Thirst Street (Nathan Silver, 2017)
Silver é um cineasta curioso dentro do universo do cinema americano independente pelo gosto pelas tintas excessivas que negam as origens naturalistas típicas desse cinema. Stinking Heaven já prometia uma quebra total com este meio e este filme europeu, uma espécie de espelho fassbinderiano, com um pé na sátira cruel e outra no melodrama, e ambos no puro artificio, não deixa mais qualquer dúvida. O material é ao mesmo muito direto nas suas origens de gênero (lembrem-se homens muito cuidado com aquela conquista de uma noite que não se toca no dia seguinte) e amplo nos seus desejos simbólicos: os EUA a se atrapalhar no exterior, o trauma (a morte do namorado) que desengata na mais pura fantasia (o barman gostosão francês como destino final). A fotografia de Sean Price Williams (de longe o melhor técnico do cinema americano na atualidade) mantém o filme sempre neste espaço de artifício, de espelho cinematográfico torto, uma constante realidade paralela, enquanto a atuação central de Lindsay Brudge de uma enorme empatia garante que o filme se mantenha sempre longe do patético.

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