Finalmente a última parte cobrindo os filmes a partir de 1968.
The Human Bullet (Kihachi Okamoto, 1968)
“Empatia, humor, horror”, descrevi assim Fort Greveyard do Okamoto semana passada e The Human Bullet refeito com doses ainda maiores de absurdos e sem a tentativa de se aproximar de gênero. “O Japão,é um grande país, um país puro”.
Nanami, o Inferno do Primeiro Amor (Susumu Hami, 1968)
Uma existência sem sentido do qual não se consegue livrar. Aquelas duas forças maiores do cinema japonês, a impotência sexual e o excesso de energia sexual postos no mesmo plano em conflito eterno. Nanami não é o melhor filme do movimento, mas talvez seja aquele que mais diretamente expõe as suas muitas contradições.
Tenchu! (Hideo Gosha, 1968)
O filme de samurai como puro delírio formalista. Duas ações: a paralisia e o movimento. Dois modos de se filmar: a beleza da composição de plano e a agressão com que ela é desmontada.
Caveira My Friend (Alvaro Guimãraes, 1970)
O irmão mais novo do Meteorango Kid. E bem o filme deu ao mundo os Novos Baianos, o que torna ele uma das maiores contribuições legadas pelo nosso cinema.
Eugenie (Jesus Franco, 1970)
“Nenhuma casa moderna é completa sem a obra do Marques”. Franco essencial. Um sonho sujo do mais puro mal.
Um Homem sem Importância (Alberto Salva, 1970)
Salva diante do beco sem saída do homem. Um filme sentido na carne e na alma para citar o título do último filme do diretor.
Perdidos e Malditos (Geraldo Veloso, 1970)
Um grito de resistência do alto da ditadura. Nós somos todos os malditos.
Red Army/PFLP: Declaration of World War (Masao Adachi, Koji Wakamatsu, 1971)
Espaço e a revolta. Do que as imagens são feitas e como ideologia se reflete nelas. Adachi entrou para a clandestinidade (do qual só retornou deportado como terrorista quase 30 anos depois) e segundo Wakamatsu ele só não foi junto pois o amigo lhe disse que alguém precisava continuar filmando.
Silêncio (Masahiro Shinoda, 1971)
De como o Japão quebra a lógica ocidental ou a caverna das almas danadas. O pais como uma performance cerimonial, a fé como teatro. Tão melhor que a versão do Scorsese que chega dar pena compara-las.
Sympathy for the Underdog (Kinji Fukasaku, 1971)
Mais um dos contos de horror Yakuza de Fukasaku. Somente o essencial, homens violentos levados a atos extremos, o resto é sangue e tripa.
Wet Sand in August (Toshiya Fujita, 1971)
Algo entre os bem distantes nihilismos dos filmes de gangues de jovens japoneses do fim dos anos 50 e o Nomad do Patrick Tam. Se naqueles primeiros filmes a cultura jovem violenta e distopica era uma reação a recuperação japonesa do pós guerra, 15 anos depois o que sobra é um buraco negro ainda maior.
Female Prisoner Scorpion: Jailhouse 41 (Shunya Ito, 1972)
Female Prisoner Scorpion: Beast Stable (Shunya Ito, 1973)
Deus abençoe Meiko Kaji, personficação única da mulher resistente. Segundo e terceiros filmes da série de Scorpion, o primeiro eu já conhecia e o quarto infelizmente está um nível abaixo dos demais. São filmes que constrói um universo estilizado e simbólico no qual a mulher está as voltas com um constante estado policial. Cabe a Scorpion buscar formas de resistir a ele. Jailhouse 41 é mais radical e Beast Stable tomado pela melancolia.
Os Homens que Eu Tive (Tereza Trautman, 1973)
A liberdade sexual feminina e suas possibilidades. Selvagem e preciso.
A Noite do Desejo (Fauzi Mansur, 1973)
Khouri despido de Freud e Antonioni. Só sobra a noite de desespero.
The World of Geisha (Tatsumi Kumashiro, 1973)
Mercadores do desejo. O mundo exterior desaparecendo dentro do corpo. O mundo dos homens como produtor de violência. A casa da geisha como palco e santuário. A cama como peça e sacramento. O corpo político. Poucos artistas erram tão livres como Kumashiro.
The Yakuza Papers, volume 2: Deadly Fight at Hiroshima (Kimji Fukasaku, 1973)
Um inferno de tradição como desculpa para ambição e lucro. A montagem como uma forma de incisão política. Gestos animalescos e violência que apenas ressoa sem saída.
Wet Lust: 21 Strippers (Tatsumi Kumashiro, 1974)
Kumashiro adiantando A Morte do Bookmaker Chinês do Cassavetes em 2 anos. O artista não passa de um cafetão, mas o show há de continuar.
The Yakuza Papers, Volume 4: Police Tactics (Kinji Fukasaku, 1974)
É incrível que Fukasaku mantenha tanta energia ao longo de quarto filmes em menos de dois anos (o Quinto é bem bom, mas mais melancólico). Neste aqui a lógica da panela de pressão é eliminada, o terceiro filme finalmente termina entregando a guerra de gangues a muito prometida e este continua dali implacável. É uma carnificina, a certa altura tem-se a certeza que nenhuma das partes sabe bem porque ou quem estão matando, só que devem continuar.
Black Rose Ascension (Tatsumi Kumashiro, 1975)
Do cinema como mediador dos jogos de poder. Um autor turrão de pinkus artísticos (supostamente inspirado em Oshima) cai de quatro pela sua nova atriz. Filme mais engraçado do Kumashiro.
Uma Mulher Chamada Sada Abe (Noboru Tanaka, 1975)
Falando em Oshima este filme é inspirado na mesma história verídica que serviu de base para Império dos Sentidos. Tanaka não é tão articulado quanto Oshima, mas a forma que o filme se fecha sobre o casal e recusa por completo o mundo exterior também é bem expressiva.
Gordos e Magros (Mario Carneiro, 1976)
Até a burguesia termina comida de cupim.
New Battles Without Honor and Humanity 3: Last Days of the Boss (Kinji Fukasaku, 1976)
Terceiro e melhor filme da série sequência de The Yakuza Papers (americanos são reles amadores na arte do capitalismo de exploração). Um espetáculo memorável de violência ressentida, raiva mal contida e machismo sem controle. Sugawara, um pouco como Kitano nos seus Outrages, é o último deposito de honra num mundo sem nenhuma e por isso mesmo vórtice maior da destruição.
A Morte Transparente (Carlos Hugo Christensen, 1978)
Um pequeno thriller sobre juventude sem expectativas e violência, o desencontro entre personagens e as mecânicas de gênero perturbador. E como sempre o controle formal de Christensen é muito subestimado.
Liliam, a Suja (Antonio Meliande, 1981)
Lascivo e apresentando sexo sem nenhuma perspectiva. Cheio de empatia, mas sem nenhum pingo de sentimento redentor. Do mais baixo exploit as vezes surgem estes acidentes maravilhosos e perturbadores.
Sogni D’Oro (Nanni Moretti, 1981)
Segundo longa de Moretti e ele já está a interpretando um cineasta a soltar frases “não estou acabado, tenho muito a dizer”. De uma angustia e confronto frontal que os seus filmes tardios nunca chegam a articular.
O Território (Raul Ruiz, 1981)
Ruiz numa comédia de maneiras sobre como os ideais de civilização ocidental derretem na terra selvagem. É uma comédia de canibalismo de Ruiz, então evidentemente trata-se de uma obra-prima.
Turumba (Kidlat Tahimik, 1981)
De como as coisas desaparecem. Ninguém filma o lado selvagem do colonialismo como Kidlat Tahimik.
The War of the Worlds: Next Century (Piotr Szulkin, 1981)
Mais Welles do que Wells, devidamente atualizado para o totalitarismo polonês. Discurso e como ele é captado e transformado por fontes externas. Mais direto e menos alegórico do que outros filmes de Szulkin, e falo de um diretor cujo um dos filmes tem como subtítulo “o fim da civilização”.
You Are Not I (Sara Driver, 1981)
O mundo dos homens, este lugar alienígena e hostil.
Longa Noite do Prazer (Afranio Vital, 1983)
“- A noite nunca cai.
– É que é verão, os dias são mais longos.”
The Searchers na noite do verão carioca.
Tchau, Amor (Jean Garret, 1983)
Amor louco melancólico no fim da boca do lixo. Assombrado por tudo que podia ter sido. Top 10 melhores cenas finais do cinema brasileiro. Antônio Fagundes gênio, que pena que na falta da indústria de cinema foram tantos anos na Globo.
Touched (John Flynn, 1983)
Toda a economia e precisão que fazem de Flynn um dos melhores diretores de ação da sua geração aplicadas a um melodrama romântico sobre dois pacientes psiquiátricos em processo de ressocialização.
SOS Sex Shop (Como Salvar seu Casamento) (Alberto Salva, 1984)
Salva, grande cineasta, indo direto ao ponto. É grosseiro, mas inescapável. E bem engraçado.
Scream For Help (Michael Winner, 1984)
Num universo alternativo esta atualização de thriller dos anos 40 (motivos hitchcockianos e de filmes de mulheres em perigo) para slasher/comédia adolescente dos anos 80 chegaria as mãos de Brian de Palma, no nosso este filmava Duble de Corpo e o ótimo roteiro de Tom Holland terminou com Michael Winner com toda o seu literalismo inglês e completa falta de senso de humor, estranhamente funciona pois Winner nunca ouviu falar a palavra bom gosto e se dedica a histeria com um vigor único.
Grandeza e Decadência de um Pequeno Negócio de Cinema (Jean-Luc Godard, 1986)
Leaud no auge do seu lado gênio cômico neurótico, muito bem acompanhado pelo Jean-Pierre Mocky como seu straight man. Menos direto e físico que os melhores Godards desta época, mas ainda assim parte do período mais rico e recompensador da filmografia dele.
Abolição (Zózimo Bulbul, 1988)
Um tijolo indigerível atirado contra o espectador. Um monólito. Bulbul com zero recursos chega a tantas imagens, de uma riqueza e variação. Uma anti-celebração. Seria uma civilização possível? Tivéssemos memória, seria currículo básico de segundo grau.
Deadly Outlaw: Rekka (Takashi Miike, 2002)
Miike e suas imagens indigeríveis. Uma viagem suicida. Rock’n’Roll.
Venus & Fleur (Emmanuel Mouret, 2004)
Mouret grande cultor de formas variando sobre aquele velho gênero francês: o filme de férias. Tão cuidadosamente observado e como sempre a paixão de Mouret por velhas formas sugere uma ligação forte com a ideia de memória e passagem do tempo.
Who Killed Cock Robin? (Travis Wilkerson, 2005)
Anotações para as possibilidades de um olhar materialista no cinema americano.