Tobe Hooper faleceu este último final de semana e como era inevitável quase todas as menções a ele se centraram no Massacre da Serra Elétrica (com algumas referências a ele ter dirigido Poltergeist também). Há bons motivos para isso, há poucos filmes de horror mais marcantes do que o primeiro Massacre, um filme que parece ter surgido pronto, uma viagem vil pelo mal, impressionante por tudo que recusa (a catarse, a redenção, a explicação, a psicologia), há somente o descer fisicamente ao inferno. Ao mesmo tempo me entristece muito que a carreira dele seja reduzida ao filme, pois Hooper fez muita coisa interessante nas duas décadas subsequentes. Creio que ele teve uma decadência mais pronunciada do que outros cineastas da sua geração, mas isso também decorre da disposição de seguir pegando projetos de orçamento e material cada vez menores. Não que isto venha ao caso, talvez o grande azar de Hooper é que o Massacre não seja seu cartão de visitas ideal, há uma crueza ali que de um modo geral o cineasta pouco tentou reproduzir e é um desses filmes que surgiram do amago de uma sociedade doente que parecem existir para além dos responsáveis.
Mas para tentar equilibrar as coisas um pouco comento aqui cinco filmes do Hooper que acho também merecem ser conhecidos:
Eaten Alive (1976)
De certa forma este é o filme que as pessoas que nunca viram o Massacre imaginam que ele seja: é grosseiro e sujo, com uma disposição para chafurdar na lama. É também um filme de imagens elaboradas, com um trabalho de cor e cenários muito destacados, um segundo filme de quem está se aproveitando bem de ter recursos antes indisponíveis e Hooper abraça um imaginário visual artificial bem distante do Massacre. Uma Hollywood decadente abraçando o exploitation da era, o elenco cheio de veteranos (Neville Brand, Stuart Whitman, Mel Ferrer). Outro dia no twitter alguém descreveu o filme como Tennessee Williams em versão horror sulista e o filme é mesmo meio isso, um melo familiar histérico temperado por um caipirão com seu crocodilo.
Pague para entrar, reze para sair/The Funhouse (1981)
Feito no boom de popularidade dos slashers no começo dos anos 80 e flertando com gênero mesmo sem se assumir completamente. A premissa é mais simples possível dois casais resolve passar a noite na casa de horrores de um circo e evidentemente isto se revela uma péssima ideia. É um filme sobre impotência, sobre o trauma diante das imagens de horror. É bem autoconsciente de estar trabalhando a partir de um manancial de ficção de horror. Aquela casa de horrores elevada pelas imagens para uma grande casa da ficção, onde os traumas podem ganhar forma. Toda a encenação do Hooper voltada para esta imagem do espectador paralisado em frente as possibilidades de violência desta ficção.
Força Sinistra/Lifeforce (1985)
Hooper descreveu este filme como um suicídio de carreira e de fato poucas vezes alguém pegou todas as fichas que conseguiu com um grande sucesso e as transformou em algo tão peculiar. Sexo, morte e a sedução do cinema, estão aí motivos que animam filmes desde que eles existem e aqui eles tem um tratamento tão duro, sobretudo neste formato de superprodução. A perversidade do olhar é um desses temas que raramente são bem recebidos e aqui ele é apresentado com uma grandiosidade e uma densidade de imagem raros. Muito se fala de o filme ser uma grande homenagem ao horror inglês vinda de um americano, e se é verdade que o roteiro do Dan O’Bannon é bem consciente no uso da história do gênero e sobretudo da Hammer (Carmilla encontra Quatermass para os iniciados), acho que a referência que por vezes passa a batida é do Peeping Tom do Michael Powell, outro suicídio de carreira e outro filme que existe entre a pulsão do sexo e da morte. Quando Powell o lançou houve quem o chamasse de tarado pelas relações que construía entre o ato de assistir imagens e a compulsão do seu psicopata e Força Sinistra meio que se dedica a ser uma versão mais direta e menos analítica deste mesmo processo. Fica na minha mente sempre aquele momento em que o corpo sem vida do Patrick Stewart se dissolve e o sangue vai aos poucos formando o corpo nu da Mathilda May. Morte encontra o desejo, a equação dos filmes segundo Hooper.
O Massacre da Serra Eletrica 2/Texas Chainsaw Massacre 2 (1986)
Detesta-se o Massacre 2 justamente por ele não ser como o primeiro, a imagem artificial no lugar da crueza, o gore no lugar da sugestão, a figura do Dennis Hopper para oferecer algum star power, uma obsessão por retribuição quando o original impressionava pela sua completa ausência de motivações. O primeiro Massacre é um filme chave da estética dos anos 70, mas eu diria que o mesmo pode-se dizer desta sequência para a década seguinte, com sua imagem sintética e o seu olhar pós-humanista. Costumo dizer que a história da geração de cineastas de horror americanos dos anos 70 é da relação de atração e repulsa com as possibilidades de ascenderem dentro de Hollywood, um casamento mal resolvido entre anarquismo e o arrivismo, e o que se ganha e perde ali, acho que nenhum filme alegoriza isso de forma mais direta do que esse. Massacre um é grito primal, este é uma piada doente que Hooper conquistou o direto de fazer.
Combustão Instantânea/Spontaneous Combustion (1990)
Se dentro da sociedade americana os anos Reagan ecoam nostalgicamente os da presidência de Eisenhower, algo particularmente presente nos filmes de ficção cientifica e horror do período, este misto de fantasia paranoica, atualização de filme de monstro dos anos 50 e melodrama familiar, é a ansiedade doentia de um período se sobrepondo as de outro. É um conto sobre um homem que descobre aos poucos que ele literalmente é uma bomba atômica humana e uma herança da guerra fria. Ele finalmente se exaure dramaticamente na altura do terceiro ato, mas é de uma integridade de ideias e imagens notável e Brad Dourif tem provavelmente melhor atuação de um filme de Hooper.
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