
The Exquisite Corpus, de Peter Tscherkassky
Como sempre o critério é filmes que vi pela primeira vez em 2016 que tiveram sua estreia pública nos últimos 3 anos.
Antes de mais nada 5 curtas que me marcaram este ano: A Brief History of Princess X (Gabriel Abrantes), The Exquisite Corpus (Peter Tscherkassky), Hinterlands (Scott Barley), Où en êtes-vous, Jean-Marie Straub ? (Jean-Marie Straub), The Tony Longo Story (Thom Andersen).
Menções Honrosas (76-100): 100 Yen Love (Masaharu Take), 13 Horas (Michael Bay), Ascent (Fiona Tan), L’Amour au Temps de la Guerre Civile (Rodrigue Jean), Baskin (Can Evrenol), Behemoth (Zhao Liang), Café Society (Woody Allen), Cemitério do Esplendor (Apichatpong Weerasethakul), Chongqing Hot Pot (Yang Qing), O Cantador (The Accountant, Gavin O’Connor), Eliminators (James Nunn), El Futuro Perfecto (Nele Wohlatz), High-Rise (Ben Weathley), I Am Not a Serial Killer (Billy O’Brien), Incompresa (Asia Argento), The Lies of the Victors (Christoph Hochhausler), No Home Movie (Chantal Akerman), Pale Moon (Daihachi Yoshida), El Rey de La Habana (Agustí Villaronga), Taego Awã (Henrique Borela, Marcela Borela), Train to Busan (Yeon Sang-ho), Trivisa (Frank Hui, Jevons Au, Vicky Wong), The Trust (Alex Brewer, Benjamin Brewer), Veteran (Ryoo Seung-wan), Vie Sauvage (Cedric Kahn).
(75-51): 31 (Rob Zombie), A Academia das Musas (José Luis Guerin), Aguas Rasas (The Shallows, Jaume Collet-Serra), Aquarius (Kleber Mendonça Filho), Amor e Amizade (Love & Friendship, Whit Stillman), Belos Sonhos (Fai Bel Sogni, Marco Bellocchio), Depois da Tempestade (Hirokazu Koreeda), Diplomacia (Diplomatie, Volker Schondorff), The Fits (Anna Rose Holmer), O Futebol (Sergio Oksman), Guerra do Paraguay (Luiz Rosemberg Filho), Hell or High Water (David Mackenzie), Hypernormalisation (Adam Curtis), Little Men (Ira Sachs), La Loi de la Jungle (Antonin Peretjatko), Meu Amigo Hindu (Hector Babenco), Midnight Special (Jeff Nichols), My Pretend Girlfriend (Saiji Yakumo), Nervos de Aço (Maurice Capovilla), The Phenom (Noah Buschel), Shadow World (Johan Grimonprez), Suburra (Stefano Sollima), Sunset Song (Terence Davies), Too Late (Dennis Hauck), Weiner (Elyse Steinberg, Josh Kriegman).
50) A Frente Fria que a Chuva Traz (Neville de Almeida)
A laje que serve de cenário para este primeiro filme de ficção de Neville de Almeida em quase vinte anos não é só palco é um abismo. O escarro sobre a sociedade carioca sempre foi a forma de expressão favorita do diretor e aqui ele encontra uma vertente apocalíptica como poucas vezes.
49) Always Shine (Sophia Takal)
A câmera cruel sempre pronta a vampirizar a presença de cena de seus performers e um dos olhares mais exatos para a brutalidade do processo sobretudo para a figura da mulher. Um exercício em violência da representação.
48) Les Jours Venus (Romain Goupil)
Os filmes de Romain Goupil desde os tempos de Morrer aos 30 anos sempre lidaram diretamente com seu desarranjo com o seu tempo, aqui esta sensação se torna diretamente tema num conjugar de história pessoal, história da Europa e a violência do representar. A lista deste ano está cheia de filmes de velhos mestres e este é um dos que mais diretamente assumem este olhar.
47) Nossa Irmã Mais Nova (Hirokazu Koreeda)
Koreeda sempre no seu melhor quando lida com o drama familiar e este aqui na sua quase completa ausência de conflito é uma das suas melhores explorações do tema, talvez a melhor depois de Seguindo em Frente, e um dos seus filmes mais bem observados.
46) Evolution (Lucile Hadzihalilovic)
Natureza em abstração. Como trabalho de ambiência e exploração formal dos mais intrigantes do ano.
45) Gone with the Bullets (Jiang Wen)
A sequência temática de Jiang Wen para Let the Bullets Fly, uma alegoria grosseria sobre a corrupção e individualismo inerentes ao capitalismo chinês e o papel do cinema em vende-las. O filme foi mito mal recebido tanto nos cinemas chineses como no festival de Berlim do ano passado, talvez porque Wen se recuse a dourar a pílula para qualquer um. É o que de mais próximo o cinema chinês recentes chegou do Tsui Hark piadista anarquista dos velhos tempos.
44) The Mobfathers (Herman Yau)
Parte comédia sobre as triades, parte alegoria sobre Hong Kong como uma cidade fadada a ser desapontada por suas figuras paternas. Inteiro marcado pela observação regional que sempre foi marca central do Herman Yau. Sabemos que um filme é especifico quando as legendas precisam se desdobrar como glossário dos costumes locais. O filme propõe uma paisagem desolada de um país órfão.
43) La Calle de la Amargura (Arturo Ripstein)
Palco da míséria encenado de maneira irretocável. Quem diria que Arturo Ripstein tinha um filme do Bela Tarr guardado nele?
42) Rabin, the Last Day (Amos Gitai)
Amos Gitai não fazia um filme bom em anos (desde Kedma?) e eu já havia basicamente desistido dele, mas esta polifonia sobre os muitos discursos construídos a partir do trauma do assassinato de Itzhak Rabin é algo que só poderia vir dele. Um filme que existe em 1995 e 2015 e toda violência no espaço entre eles.
41) The Light Shines Only There (Mipo Oh)
O encontro da crueza de Pialat e o tipo de narrativa apocalíptica em miniatura que sempre foi uma especialidade japonesa.
40) Não me Fale Sobre Recomeços (Arthur Tuoto)
Sobre a fragilidade da nossa biblioteca de imagens. Um ato de fé sobre como ancorar com um corpo a representação das nossas memórias.
39) A Dragon Arrives! (Mani Haghighi)
Um exercício Ruziniano de escavação de memórias, seja políticas, seja audiovisuais e/ou mitológicas. Um exercício de fabulação de uma força de encenação e um frescor que ao mesmo tempo são bem próprios da tradição do cinema iraniano e existe a parte do que esperamos dele.
38) O Que esta por Vir (Mia Hansen Love)
A arte de Hansen Love sempre foi a do preenchimento de cena e em Isabelle Huppert ela encontrou a parceira ideal para tal projeto.
37) Ce Sentiment de l’été (Mikhael Hers)
Hers tem um controle de cena raro, o material aqui de superação da perda é bastante reconhecível, mas cada movimento de câmera e cada corte são de grande inteligência e o filme tem uma facilidade de usar o fora de campo como projeção do momento seguinte notável.
36) Frankenstein (Bernard Rose)
Uma das supresas mais gratas que tive este ano foi esta versão experimental de Frankenstein que Bernard Rose filmou nas ruas de Los Angeles com um monstro saído de horror corporal cronenbergiano a errar entre os excluídos locais. Muito mais próximos das adaptações digitais de Tolstói aos quais Rose vem se dedicando nos últimos 15 anos do que ao seu passado como cineasta de horror. Com um trabalho de textura de luz dos mais expressivos e Xavier Samuel talvez seja o monstro mais expressivo desde Karloff.
35) Homo Sapiens (Nikolaus Geyrhalter)
O ponto final inevitável no projeto de registrar o desgaste da civilização europeia ao qual Geyrhalter vem se dedicando a muitos anos.
34) Le Fils de Joseph (Eugene Green)
A arqueologia das emoções perdidas, sentimentos que Green é capaz de localizar que parecem sempre remotos e esquecidos. Como alguém me mencionou este dia Green faz os mais perfeitamente imperfeitos filmes.
33) Porto (Gabe Klinger)
Porto existe sempre dentro do seu momento, o que faz muito sentido num filme todo previsto na procura de outro corpo independente do que venha acontecer amanhã. A sequência no qual Yelchin carrega as caixas de mudança por si só justificaria a presença do filme na lista. E tem algo notável na maneira que ele consegue ser ao mesmo tempo um filme que se limita ao casal sem jamais excluir o mundo exterior que se não surge no drama segue presente na descrição da vida noturna portuguesa e no uso da topografia do entorno do Douro.
32) What’s in the Darkness (Wang Yichun)
Um muito perceptivo filme sobre amadurecer numa sociedade patriarcal embrutecida disfarçada de filme de caça ao serial killer. Tem uma descrição da sua cidadezinha e da China do começo dos anos 90 notáveis e há uma forte escrita autobiográfica por parte da diretora Wang Yichun para além de toda trama policial.
31) Carol (Todd Haynes)
Ecos de um grande melodrama limitados somente pelos excessos maneiristas da Cate Blanchett, o filme faz jus ao temor da escrita da Patricia Highsmith e tem momentos muito fortes quando dá imagem a ideia de projeção romântica.
30) Cosmos (Andrezj Zulawski)
O último filme de Zulawski menos um testamento do que um reconhecimento dos prazeres de dar o corpo ao mundo na arte e da sua qualidade fugidia e imperfeita.
29) In Jackson Heights (Frederick Wiseman)
Há algo muito particular sobre os filmes de comunidade de Wiseman como este, Aspen ou Belfast, Maine, mais do que descrições precisas de um local são filmes que agem como registros do seu momento, destinados a datarem imediatamente e talvez ainda mais importantes por isso. Que In Jackson Heights se volte para uma das áreas mais multiculturais de Nova York só reforça seu caráter político.
28) The Illinois Parables (Deborah Stratman) e The Royal Road (Jenni Olson)
Dois filmes ensaios de diretoras americanas marcados pelos seus respectivos estados (Illinois e Califórnia) e pela força das suas locações, as possibilidades de pertencimento e rejeição. O triangulo história, lugar e tempo colidem de forma enriquecedora. O filme de Stratman traz a mente os filmes históricos de Benning e de Olson mais próximo da verve ensaística de Marker.
26) Deux Rémy, Deux (Pierre Leon)
Esta adaptação de O Duplo não chega a alcançar a potencia dramática que Pierre Leon extraíra do seu média a partir de O Idiota, mas é outro exemplar de construção de espaço e luz marcante. E como sempre poucos formalistas tem a mesma atenção ao trabalho do ator que Leon.
25) My Beloved Bodyguard (Sammo Hung)
O primeiro filme dirigido por Sammo Hung desde 1997 é ao mesmo tempo um filme crepuscular e preocupado demais de servir a sua narrativa para se preocupar com essas coisas. As coisas antigas perduram sejam elas um ex-militar relíquia da guerra fria ou artista marcial e comediante que permanece incrivelmente ágil e gracioso não importa o quanto tempo age sobre o seu corpo. Sammo é literalmente sua própria matéria prima. Sua natureza eternamente otimista em confronto da melancolia inerente ao material. Inclui a mais lenta, e talvez por isso mesmo bela, cena de perseguição que me lembro num filme de ação.
24) Vendredi 13 (Nicolas Klotz)
Nicolas Klotz se dispôs a filmar a gravação do programa de rádio dominical de Michka Assayas para poder registrar o sentimento de Rock’n’Roll significa para ele, na semana das filmagens ocorrem os atentados parisienses de Novembro do ano passado. A música permanece, junto dos rostos, de um sentimento de estar no mundo, e do luto. São somente 48 minutos mas de uma precisão e concentração raras. A música está menos concreta das artes encontra o cinema a mais concreta delas e dali extrai um filme de sentimentos esculpidos e projetados único.
23) Everybody Wants Some!!! (Richard Linklater)
Formas de existir, formas de se reinventar, numa procissão de dias e festas o filme vai se reorganizando constantemente. Ele é ao mesmo tempo extremamente especifico e por isso distante, o que talvez ajude a explicar a frustração de alguns com esta sequencia espiritual ao Dazed & Confused, cujo espírito na verdade era bem outro, este filme é ao mesmo tempo menos livro e mais exato e a sua maneira experimental. Andava meio frustrado com os filmes recentes do Linklater, mas eis aqui um que faz justiça aos melhores trabalhos dele.
22) Call of Heroes (Benny Chan)
Benny Chan retoma os princípios narrativos de Rio Bravo (um xerife a tomar conta de um prisioneiro poderoso que coloca a cidade toda sobre ameaça) e dali destila todos os temas tradicionais do Wu Xia: o preço da justiça, o sentido da honra, o valor da irmandade. É quase um filme da Hong Kong dos anos 70 atualizados para as preferências da China contemporânea. A coreografia do Sammo Hung é uma das suas melhores tardias e o elenco é excelente.
21) Three (Johnnie To)
Um palco simples que permite uma espiral de questionamentos morais a partir de uma sociedade em fracasso sistêmico. A medicina, a justiça e o cinema brincando de deus em busca de um momento de clareza moral. O bobo da corte do Lam Suet sempre a um passo de impedir o desastre e fadado a fracassar é um dos grandes personagens de 2016.
20) El Auge del Humano (Eduardo Williams)
Parte do que Williams consegue aqui é aplicar a crença dos argentinos no poder da ficção para uma série de situações e elementos que a princípio parecem existir fora dela e no processo renovar vários elementos cansados típicos dos filmes de festival. Um dos longas de estreia mais interessantes recentes e cada um dos seus três guarda suas surpresas e se recusa a cair na simples complacência e o filme incorpora sua textura de maneiras sempre muito interessantes.
19) O Ignorante (Le Cancre, Paul Vecchiali)
Se João Cesar Monteiro filmasse o Heaven Can Wait de Lubitsch.
18) Sanchu Uprising: Voices at Dawn (Juichiro Yamasaki)
Um estudo sobre as formas de representar revolta camponesa ao longo da história do cinema japonês que trespassa os mais variados registros. Um filme de grande curiosidade sempre pronto para levantar novas ideias e questões. Uma das estreias mais inquietantes do ano.
17) Sinfonia da Necrópole (Juliana Rojas)
Em São Paulo até os mortos estão prontos para ser capitalizados. O que nos diz que o melhor filme sobre a cidade nos últimos dez anos se passe quase todo num cemitério? Este horror musical da Juliana Rojas tem um misto de vitalidade e tremor notável.
16) The Mermaid (Stephen Chow)
Stephen Chow passou os últimos 25 anos realizando filmes para redimir escrotos arrogantes como este, mas nunca numa escala tão grandiosa. The Mermaid faz uso de todos os recursos da indústria chinesa sem abrir mão das idiossincrasias e variações de tom que vão do romance fabular ao filme de ação extra violento como se não fosse nada. E ninguém constrói gags com a mesma criatividade que Chow, a principal tentativa de assassinato e o tio polvo se cozinhando são de um primor que nem Blake Edwards nos seus melhores dias alcançava.
15) Caprice (Emmanuel Mouret)
Emmanuel Mouret segue seu trabalho de pesquisa de antigas formas, seulado Tati cada vez mais submerso numa profunda melancolia. E ele segue capaz de construir cuidadosamente farsa como poucos. Como ato de renovação um dos filmes mais prazerosos do ano, e Anais Demoustier e Laurent Stocker são ótimos.
14) Creepy (Kiyoshi Kurosawa)
O porão das angustias. Procurando ordem e sentido no mundo e nas relações familiares onde não há nenhuma. A mais doente das comédias de recasamento.
13) Correspondências (Rita Azevedo Gomes)
Velado, mas cheio de humor inesperado e de um prazer imenso da palavra e performance. Dois poetas separados pelo oceano atlântico e o exílio político prestam testemunho a violência inerente do mundo.
12) Beduino (Julio Bressane)
Uma das versões mais expressivas da crença de Bressane de que o cinema é a música da luz.
11) Artist of Fasting (Masao Adachi)
O Artista da Fome de Kafka transformado numa esfinge pronta para refletir e aludir todas as ansiedades da sociedade japonesa contemporânea. Assustador e muito engraçado. Um filme que leva a recusa do seu personagem central para dentro dele e não nos permite jamais uma distância e perspectiva clara. Adachi é um dos grandes do cinema japonês e é ótimo ve-lo de volta atrás das câmeras.
10) Sangue do meu Sangue (Marco Bellocchio)
Um filme livre de um grande autor que não deve nada a ninguém. Engraçadissimo e ao mesmo tempo uma porrada filmada com tintas fortes. Uma ode ao pecado como forma de resistência na sociedade italiana e um filme de uma carnalidade, aqueles closes, a forma como a luz reflete sobre a pele dos atores, que só poderia mesmo vir de uma cultura católica.
9) Non Essere Cattivo (Claudio Caligari)
Uma ode a marginalidade vista dos céus. Um exercício de crença na vitalidade de cada um dos seus atores, de cada gesto, de cada possibilidade de viver independente o quão estúpida e questionável possam ser as escolhas. Caligari pouco antes do filme ser lançado e ao longo de 30 anos só realizou outros 2 longas, uma perca imensa para o cinema italiano.
8) A Bride for Rip Van Winkle (Shunji Iwai)
Iwai não filmava uma ficção no Japão a mais de década e neste retorno constrói uma fabula com narrativas dentro de narrativas, novas e novas fabulas de um jogo de adaptar rivettiano. É uma parábola sobre a vida pública japonesa como uma grande farsa, mas é antes de mais nada um filme que vive a cada momento e se permite a experimentar o tempo todo junto da sua atriz central Haru Kuroki. E um lembrete que nenhum cineasta tem um olhar tão preciso sobre as conexões e desconexões da era das redes sociais.
7) Certain Women (Kelly Reichardt)
A arte de Reichardt é da exatidão dramática. Aqui três contos sobre mulheres nas fronteiras, contos mesmo, algo que é raro em adaptações literárias, pequenas vinhetas narrativas que só fazem sentido neste formato. Cada uma delas com a sua própria graça e defendida por excelente elenco de atrizes e organizadas a partir de uma montagem sempre precisa. Elas se ecoam de forma sempre interessante até o episódio final de um peso dramático tocante.
6) Sully (Clint Eastwood)
Sully é o filme mais curto da carreira de Clint Eastwood com seus 96 minutos, também pudera, o que existe aqui de história para contar ocorre no espaço de uns cinco entre as aves atingirem o avião e os passageiros serem resgatados. O que Eastwood extrai destes poucos minutos que ele desdobra repetidas vezes é uma pequena obra-prima sobre a reação humana diante de algo improvável, a ênfase toda em como cada pessoa, os pilotos, os passageiros, os técnicos, reagem aquela cadeia de eventos.
5) Martírio (Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho, Tita)
No filme anterior do Vincent Carelli, Corumbiara, o paradoxo do nosso genocídio indígena era exposto dentro da nossa recusa como sociedade a permitir as tribos qualquer imagem. Martírio são 160 minutos destas imagens, deste processo de assassinato em nome do desenvolvimento que mais do que posto em contexto de opressão sistêmica é permitido respirar como cinema. Martírio é um filme importante, seu ato de resistência certamente o ato político mais relevante do cinema brasileiro em 2016 e é sem dúvidas um filme bastante incomodo de se ver, mas acho que no meio de todos os elogios se perde as vezes como Carelli (assistido aqui por Ernesto de Carvalho e Tita que recebem o crédito de co-diretores) é bom cineasta, como ele é um narrador de mão cheia que avança e retoma no tempo, sabe quando se desviar por caminhos tangentes e quando retomar a narrativa central, quando cortar para as nossos parasitas políticos etc. Lembro-me de que na Folha alguém (talvez o Calil) comparou o filme em importância ao Serras de Desordem com o senão de que ele não seria tão cinematográfico, o que me parece um erro parte da potência de Martírio é que ele é absolutamente cinematográfico.
4) Toni Erdmann (Maren Ade)
O ponto de partida de Toni Erdmann é uma constatação óbvia do divórcio entre os sonhos de reconstrução de estado de bem estar social europeu no pós Guerra e a sua realidade neoliberal do atual século. É um filme sobre a Europa irreconciliável de hoje no qual as peças de anti-humor kauffminiano do personagem título e a missão absolutamente sentimental e reconhecível (sua base dramática afinal são os esforços de um pai desesperado para se reconectar com a filha) servem para se não exumar o cadáver da CE, expô-lo com um luto sem iguais. É engraçadíssimo e justifica cada um dos seus 160 minutos (quando afinal podemos dizer isso?). Em uma última nota, é muito curioso como quase todos os pontos de referência estética neste filme tão europeu sejam americanos.
3) Elle (Paul Verhoeven)
Li muitas comparações entre este filme de Verhoeven com Haneke, talvez porque a presença de Huppert e a matriz dramática lembre algo do austríaco, mas se há algum filme que ele traga a mente são as comédias burguesas de Claude Chabrol. Um filme cuja provocação maior é justamente erguer a nós um espelho ambíguo e recusar-se a partir dele dizer qualquer coisa. Tudo que se escreve sobre Elle no fundo diz mais sobre o autor do que sobre o filme (incluindo essas linhas). Verhoeven sempre o provocador mor da nossa sensibilidade burguesa encontrou no filme um veículo ideal e em Huppert uma parceira de cumplicidade ímpar (e ela merece todo o credito de co-autora do filme, como o cineasta holandês é o primeiro a reconhecer). Não é qualquer ator que poderia se colocar no centro do furacão como ela se dispõe aqui e experimentar tantas reações e sensações sem jamais chegar a saída alguma. E o ato dramático que o filme se dispõe, de construir uma comédia de hábitos sociais cujo ponto de partida seja um estupro e dali extrair um filme que seja engraçadíssimo menos justamente a violência que está no centro dele e do qual é tudo inescapável é de um equilíbrio absurdo. Que Verhoeven e Huppert consigam tamanho sucesso nele é certamente um dos feitos do ano.
2) Love & Peace (Sion Sono)
Sion Sono passou vinte anos tentando fazer este filme, misto de fabula infantil, musical pós punk, sátira social e filme de Kaiju. É um elogio os rejeitados sociais de todo tipo, a partir do amor de um homem por sua tartaruga de estimação e tem toda uma sub trama sobre um papai noel mendigo e a ilha dos brinquedos abandonados e animados. É insano e indescritível e emocionante a sua maneira bem peculiar. Sono é um homem do excesso, as vezes cansa e imagino que cansaria muitos aqui, mas para quem se dispõe embarcar é dos mais recompensadores. Propõe que se torne parte essencial do cânone natalino.
1) Certo Agora, Errado Antes (Hong Sang-soo)
Dois Hongs pelo preço de um, mais do que mais um jogo estrutural dele, uma observação dos gestos de poder contidos na arte da sedução. È um filme de fantasmas, dos traços quw cada gesto deixa, das memórias e filmes que podemos fazer a partir deles.
Vou procurar alguns nomes da lista, mas acho a Frente Fria que a Chuva Traz (Neville de Almeida) um dos piores filmes já feitos no Brasil. Os personagens me lembraram muito os estereótipos do Sérgio Bianchi que fazia sucesso na década de 90. Senti vergonha alheia do início ao fim, faltou cuidado com o roteiro e sobrou um certo desleixo na encenação também. Algo de certa forma próximo ao que se vê diariamente na televisão brasileira.
Daniel, eu entendo não gostar do filme, tenho vários amigos que não gosto, apesar de achar que aquilo que você enxerga como desleixo é um trabalho de encenação bem intencional. Agora, eu tenho certeza que se o Neville fizesse teste de diretor na Globo bombava feio, adoraria um mundo no qual a TV exibesse regularmente algo com uma proposta estética como esta independente da qualidade.
Também gostei muito do filme do Tscherkassky. Meus favoritos dele por ora são Outer Space e Dream Work (não vi “L’Arrivée”, que completa a trilogia).
Do Abrantes, tenho gostado muito das comédias, acima de todas Ennui Ennui.
Ótima lista como sempre….
O do Adachi não está na web ainda não né?
Quais trackers públicos vc usa, já que a maioria tá saindo do ar ultimamente?
Não está não.
Só uso quase privado, mas público geralmente rarbg para filme novo e piratebay para antigo.
Você chegou a ver os últimos do Perrone, Filipe? Hierba e Samurai X?
Não tive chance ainda.
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