O primeiro plano é de um laptop da Apple anunciando que estamos no terreno das imagens mercantilizadas e dispensáveis. Ainda mais que na maioria dos De Palmas é um filme de imagens desgastadas (até a trilha de Donnagio soa cansada) que se contrapõe a série de manequins prontos a aceitar seus papeis ensaiados (que Rachel McAdams essencialmente sugira sua personagem de Meninas Malvadas se fingindo adulta só reforça esta impressão), todas as relações desaguam na mesma farsa seja corporativo seja sexual. É uma co-produção europeia tão apátrida quanto Femme Fatale, mas a sua falta de raiz revela aqui uma melancolia, o filme se agarra as suas locações em Berlim como se buscasse uma autenticidade que lhe ilude, como se o cinema lhe deixasse para trás. É duro ser o mestre das imagens dispensáveis quando estas se tornam tão saturadas e casuais que se perdem em meio ao trivial. A segunda metade é menos um compêndio de greatest hits do diretor, do que o pesadelo do mesmo. Um filme cuja força emerge menos da sua triste familiaridade, mas da forma como em seus melhores momentos DePalma parece disposto a abraçar o último Lang e reduzir tudo a uma série de composições geométricas, todo a opulência do seu maneirismo reduzido a depuração dos filmes finais de mestre.
Tive a sensação justamente de que ele está mais seguro na segunda metade, quando se joga mesmo nos sonhos e, como vc diz, volta para seu território. O filme chega a ser desinteressante até essa parte.
Eu até prefiro a primeira metade em parte porque ao contrario de outros filmes recapitulações como Duble de Corpo, Síndrome de Caim e Femme Fatale, aqui a revisita me pareceu mesmo um tanto amarga e em parte porque a relação McAdams/Rapace é bem mais equilibrada na primeira parte.
Gostei muito de “Passion”. É o retorno de Brian De Palma aos thrillers que o consagraram e em nenhum momento senti o filme representa uma versão fraca ou satírica do cinema do cineasta (como a crítica vem insistindo desde que o filme foi exibido em Veneza). Creio que um de seus grandes trunfos foi oferecer uma perspectiva muito distinta diante do texto de “Crime de Amor”. Não considero o filme perfeito, uma obra-prima (a imagem que ilustra seu post representa uma sequência de acontecimentos conduzidos sem muito pulso), mas fiquei maravilhado a maior parte do tempo, especialmente pelo modo distinto como De Palma distinguiu a realidade do sonho e a força de suas imagens (talvez De Palma nunca tenha usado o Split-screen de forma tão bárbara como visto aqui).