Os Sete Gatinhos

Aproveitando que a Cinemateca do MAM está com uma retrospectiva virtual da obra do Neville D’Almeida até o próximo dia 15, republico aqui um pequeno texto sobre Os Sete Gatinhos que escrevi para o catálogo da ultima retrospectiva do Neville uns 5 anos atrás (duas retros do Neville em uma década quase acredito que o cinema brasileiro tem jeito).

Jairo Ferreira costumava dizer que Neville D’Almeida era o único cineasta brasileiro mestre tanto no underground quanto no cinemão. É uma provocação útil diante de Os Sete Gatinhos, provocação maior da obra de Almeida. A superfície pretensamente naturalista a despeito do material apocalíptico do texto do Nelson Rodrigues (um dos seus mais míticos textos de dissolução familiar), o encontro da comédia de costumes carioca com a pornochanchada, tudo em Os Sete Gatinhos aponta para uma extensão do sucesso de A Dama do Lotação. Estamos afinal no começo dos anos 80 quando Nelson Rodrigues se tornou desculpa esfarrapada para nosso cinema comercial fazer pornochanchada de luxo, pensemos na versão grotesca de Bruno Barreto para O Beijo do Asfalto ou posteriormente nos filmes da Conspiração Traição e Gêmeas ou a série global A Vida Como Ela É, todos seguindo a formula consagrada por Arnaldo Jabor no seu Toda Nudez Será Castigada. Nelson Rodrigues é sempre a desculpa mais fácil ao audiovisual brasileiro vender a própria grosseria como arte.

Nada, porém, seria mais diante de Os Sete Gatinhos, estamos aqui diante de um instrumento grosseiro e direto: da superfície de pornochanchada o que sugere é uma sequência de imagens agressivas e lascivas de desintegração familiar e social. Longe de usar Rodrigues como um escudo de prestigio, chafurda-o na lama. A obsessão pela pureza do texto original se torna uma piada ainda mais mordaz a partir do olhar sujo de Almeida. O que impressiona e choca em Os Sete Gatinhos e lhe garante uma dimensão política é que a decadência aqui é dada como fato, um estado natural tanto para personagens como público.  Neville D’Almeida localiza no texto de Rodrigues menos os contornos da tragédia – perde-se aqui boa parte da individualidade das irmãs que resistem mais como corpos conscientes da própria exploração, assim como boa parte da riqueza dramática da sub trama com Bibelot – do que a sua superfície. No lugar de abrir a peça, como a convenção das adaptações teatrais mandam, Almeida a concentra ainda mais naquela sala de estar familiar. Os Sete Gatinhos não se propõe como drama tal qual A Dama da Lotação, mas uma coleção de esquetes de degradação. O que resiste na memória do filme são as irmãs seminuas a desrespeitar o patriarca Lima Duarte ou o grande Mauricio do Valle engatinhando como um cão a perseguir uma cadela no cio.

Os Sete Gatinhos propõe a sátira social como um filme de terror. Sua maior qualidade é sua brutal honestidade, é um filme feio e medíocre e sabe disso, esta é sua força e permanência. Sua notoriedade, a forma como frequentemente é mencionado como exemplo de porque o cinema brasileiro é/foi péssimo reforça o seu sucesso.  As suas imagens grosseiras partem do cinemão e retornam ao undeground. Se há algo a se dizer contra Os Sete Gatinhos é que mais de três décadas depois com a pornochanchada tão distante de um imaginário de cinema popular, seu efeito se dilui um pouco, suas imagens, porém, seguem carregadas de uma inegável força.

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