(English version here)
Ad Astra é menos 2001 na sua construção como muitos textos rapidamente apontaram, mas uma ficção científica dos anos 50 (em termos de Clarke está bem mais para algo como Poeira Lunar). Um faroeste especial, Rastros do Ódio pela via das suas reclamações da década de 70 como era de se esperar de Gray. A insignificância da humanidade perante ao cosmos e a sua responsabilidade para com a comunidade sendo aproximadas de uma maneira próxima a das pradarias do oeste Americano expandidas pela vastidão maior do espaço. A mudança de gênero muda somente a escala de como os sentimentos ressoam. Assim como os outros filmes que James Gray realizou nessa década é um filme sobre as fundações imperialistas da ficção ocidental, que ele reconhece, mas não propriamente interroga.
Trata-se de um filme sobre um pavor existencial. A humanidade está só no universo, é tudo tão vasto, mas ao mesmo tempo de grande escassez. Estamos morrendo e morrendo sozinhos. Há múltiplas referências a fim de recursos e o sentimento de que a expansão especial é a última saída possível permanece no subtexto. O espaço não é a última fronteira, mas uma fronteira necessária, militarizada e roubada da sua sensação de descoberta. Ad Astra é sobre mudança climática e extinção da humanidade muito mais do que qualquer questões pai/filho, mesmo que o filme as filtre através das preocupações habituais de Gray sobre a toxicidade das relações familiares (e como sempre ele identifica familia e morte, de qualquer jeito).
Faz uma sessão dupla fascinante com a Z: A Cidade Perdida (de certa forma é como se Z fosse recontado pelo ponto de vista do personagem de Tom Holland). Novamente um épico de exploração previsto num desejo de abandono da civilização ocidental como conhecemos e a vontade de criar todo um novo mundo ficcional, com a vastidão do universo substituindo uma Amazônia que mal podia conte-la no filme anterior. Outra vez assombrada pelas noções de imperialismo e o papel do homem em destrui-la e um forte sentimento de fim da civilização. Um desejo de fuga modulado pela certeza de que tudo a sua volta logo estará morto.
Ao contrario de Z, Ad Astra chega a uma solução pacificada se não totalmente feliz (Homem transcende a si própriom no lugar de desaparecer na própria fuga do eu) e é um pouco mais fácil negociar as suas noções imperialistas quando aplicados para um espaço abstrato no lugar de um lugar real. Falando em noções imperialistas os vários momentos de sátira a Paul Verhoeven tanto na lua como na NASA militarizada se destacam bem a parte da sobriedade habitual do drama de Gray.
Ad Astra é possivelmente o mais radical filme vindo de um estúdio de cinema Americano em muito tempo, ao menos na maneira como se apresenta como show de um personagem só. É um filme sobre Brad Pitt e como ele se relaciona de uma forma bem física muito envolvente. Ad Astra é um monólogo silencioso ocasionalmente cortado por cenas de exposição. Uma ficção imaginada toda na presença física de um personagem e o peso que carrega mais do que dramatizado por cenas convencionais. Um filme de ação literal. Isto torna ainda mais decepcionante as óbvias mudanças de pós produção (a montagem é as vezes incerta, 85% da narração em off de Pitt é dispensável).
Esta interioridade radical é o provável motive de tantas comparações com o cinema de Terence Malick, mas as formas de drama me parecem bem mais antiquados como costumam ser em Gray, ele é afinal um tradicionalista da dramaturgia, se um disposto a desgasta-la até os limites da exaustão. Há um corpo aqui, enquanto Malick deixou isso para trás faz muito tempo.
Uma diferença chave entre os filmes de James Gray dessa década para seus trabalhos anteriores é que aqueles filmes iniciais apresentavam um desejo etnográfico de localizar as relações familiares no seio de grandes comunidades enquanto os filmes recentes as localizam em relação a uma tapeçaria histórica mais ambiciosa, mas menos especifica. Aqueles eram dramas de imigrantes enquanto os últimos são panoramas históricos. Em comum, a impressão de que ser absorvido em definitivo na sociedade permanece incerto.
É muito excitante observar Gray negociar seu estilo ancorado no táctil por uma série de cenarios artificiais e virtuais. Ad Astra não tem imagens reais, além da presença de Pitt. Há muita enfase no corpo humano, o que ele pode ou não sustentar. A fadiga física contra as necessidades do drama. Justo notar a ênfase no trabalho manual dentro da nave, das ações repetidas e imersão física, há algo muito cinematográfico, mas desumanizador a respeito dela, mas esta ética de trabalho esta na essência de uma sociedade (e drama) de conquista. Ao mesmo tempo, muito do drama se resolve em imagens sobre o peso do corpo contra gravidade, a relação entre personagem e mundo literalizada.
A cena mais importante aqui não é o confronto pré ordenado com Tommy Lee Jones (o filho ultrapassa e substitui o pai, sabemos disso desde os momentos iniciais), mas a cena com Ruth Negga que está localizada bem no meio do filme, porque ali é o único momento em que Ad Astra reconhece uma perspectiva que não a dele. Há uma funcionalidade como em todas as interações do filme, mas o ponto de vista dela é real e diferente do de Pitt e naquele momento o drama de Ad Astra se expande para além da visão fechada dele (não é acidente que ela comece não com a própria conexão pessoal que ela possui com Jones, mas lembrando-o de que ela é responsável pelo bem estar de 1100 pessoas). Nesse momente Ad Astra deixa de ser um filme sobre homens e se torna um filme sobre humanidade, se ainda assim um filme filtrado, para citar o famoso poema de Kipling (ele próprio sobre colonialismo passado através de gerações) o fardo do homem branco, mas estes são os limites da ficção imperialista.
Há algo sinistro no programa espacial do filme. Ad Astra faz um trabalho muito bom ao colar na perspectiva de Pitt, sugerir todo uma série de ações e vontades que seguem no fora de cena, Um filme de conspirações e contra golpes vistos pelo olhar do bom soldado, totalmente subordinado as necessidades da família e da sociedade. Até quando ele toma o comando o faz pedindo desculpas e esperando um julgamento da história. O espectador de um modo geral sempre é capaz de imaginar a partir das informações vagas mais que o personagem e dali tirar conclusões pouco simpáticas. Das bases da missão (salvar/matar o pai), aos momentos rascunhados como a sequencia do macaco raivoso vitima de algum teste até as mitificações históricas do tipo “imprima-se a lenda” tudo reforça a impressão de uma conquista de espaço funcional e violenta. Longe da imaginação da descoberta de um novo mundo. Um faroeste fraturado, menos as promessas de um novo mundo, mas a decepções de um velho mundo repetidas em eco. O drama de Gray existe nesse espaço entre eles. O desejo de acreditar e a certeza da decepção.