Melhores de 2012 (25-1)

Primeiro um pequeno adendo: esqueci de incluir nas menções honrosas Lomge do Afeganistão, filme organizado pelo John Gianvito cujo todo é mais forte do que suas partes irregulares e que inclui um episódio (Fragments of Dissolution do Travis Wilkerson) que estaria fácil bem perto do topo da lista se eu incluisse curtas.

25) O Verão de Giacomo (Alessandro Comodin)
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O prazer com que Comodin filma este dia de verão e o sentimento de descoberta presente nele chegam a lembrar o Um Dia no Campo de Renoir e a ecos constantes tanto da segunda parte do Aquele querido Mês de Agosto, quanto do trabalho de alguns outros cineastas italianos recentes com gosto por se localizarem na fronteira entre ficção/documentário (Michelangelo Frammartino, Pietro Marcello). O que realmente torna o filme marcante porém é como a abordagem táctil imposta por Comodin consegue levar este aparente dia banal entre aquelas duas pessoas  e revelar dali todo um sentimento de história pregressa repartida entre aqueles duas figuras, que é algo que se revela ainda mais forte quando da mudança de garotas no último rolo (a única intromissão realmente radical de Comodin sobre seu filme) que reestabelece a ação como um todo como parte da história daquele rapaz.

24) Nuit Blanche (Frederic Jardin)
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Um dos filmes de ação mais excitantes da safra recente. Jardin parte da mais essenciais premissas (policial corrupta vai a uma boate devolver uma maleta com drogas) e encontra nela um sem  numero de novas possibilidades (geográficas, emocionais, narrativas) que vão se acumulando enquanto mais e mais portas de entrada se abrem.  A última meia hora é basicamente uma longa sequencia de ação sustentada que segue encontrada novas formas de elevar tensão.  Alguns momentos muito criativos de ação (a uma sequencia que não ficaria deslocada num filme de Jackie Chan dos fim dos anos 80) e um trabalho muito cuidadoso com câmera na mão (a fotografia é do Tom Stern, fotografo do Eastwood). Lançado por aqui erm DVD pela California sob o super genérico titulo Pura Adrenalina, mas é melhor que todo o catalogo para cinema que eles lançaram em cinema este ano. Por curiosidade o filme foi co-escrito pelo Nicolas Saada, um dos melhores críticos da Cahiers nos anos 80.

23) Outrage Beyond (Takeshi Kitano)
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Sustentando no espaço entre Brother  e os dois Eleição de Johnnie To, é o melhor filme de Kitano em alguns anos (e isto vindo de alguém que defende a maior parte dos filmes dele dos últimos dez anos). Se Outrage era um slasher com Yakuzas, Outrage Beyond muito rapidamente se revela uma comédia de maneiras de gangsters que ao mesmo tempo celebra o código que supostamente os rege e faz troça de todos os rituais e traições que os dominam. Se o filme anterior era um banho de sangue com a disposição de um Mario Bava, este é uma questão de um plano a mais, seja da câmera segurar por um segundo a mais sobre uma ação ou um contraplano perfeitamente executado.

22) In Another Country (Hong Sang-soo)
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Um tanto fácil na sua estrutura se comparado a outros filmes recentes de Hong, mas ainda assim carregado por uma série de achados de situações e locações que o aproximam muito de alguns dos filmes mais relaxados de Rohmer dos anos 80. E somente Hong poderia pegar Isabelle Huppert e despoja-la de todo os excessos de grande atriz, ela não esteve tão relaxada e bem num filme em anos.

21) The Great Cinema Party (Raya Martin)
1221

Um dos grandes filmes políticos do ano. Perfeitamente estruturado na maneira que consegue estabelecer um estado de violência histórica e depois procede em esvazia-lo e por fim preenchê-lo com seus amigos. É um filme construído sobre a presença da história das Filipinas, mas sobretudo dos amigos de Martin que relaxadas a jogar conversa fora servem como contraponto essencial a mesma. Fazer uma festa também pode ser um ato político.

20) Barbara (Christian Petzold)
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Uma das mais impressionantes, e atuais, descrições de viver sobre um estado policial que o cinema produziu. Construída sobre um trabalho preciso de dramaturgia e um trabalho com espaço cênico que torna cada locação um potencial espaço de risco. O que torna Barbara um grande filme porém é a recusa de Petzold de encerrar a história no museu, sua apresentação da vida na Alemanha Oriental como algo complexo em que pessoas de fato precisam negociar sua ausência de liberdade a cada instante da melhor maneira possível.

19) Motorway (Soi Cheang)
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Um raro filme do sub gênero do filme de perseguição de carro em que a ênfase é toda na habilidade dos motoristas e não em velocidade dos carros. Cheang passou um ano editando o filme e no processo retirou dele praticamente tudo para alem dos seus elementos essenciais: dois carros a espreita um do outro prontos para recomeçar seu confronto. As sequencias de ação são construídos com uma lógica muito próximo as perseguições de um slasher em que o elemento humano foi suplantado quase por completo.  Neste sentido o Nissan 89 branco é um dos vilões mais aterrorizadores do cinema recente.

18) The Color Wheel (Alex Ross Perry)
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Se a estreia de Perry, Impolex, era uma apta aproximação de Pynchon, este seu segundo longa provavelmente é o que de mais perto o cinema americano chegou de Philip Roth.  Perry tem uma facilidade com embaraço, com o tom de ressentimento fraternal, assim como uma especificidade emocional notáveis. De fato, The Color Wheel parece intencionalmente se mover de um cenário absolutamente genérico de cinema indepe3ndente americano para um espaço muito particular ocupado somente por ele. Desde A short Film About Indio Nacional não me lembrava de um filme tão cruel para com programadores e cinéfilos da escola de abandona após 10-15 minutos.

17) O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira)
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Uma espécie de filme de horror sobre miséria assombrado com imagens e palavras de um peso simbólico sempre muito presente e pela presença de cenas de uma série de antigas estrelas de cinema europeu (Michel Lonsdale, Claudia Cardinale, Jeanne Moureau). A sala em que a ação quase toda se passa se torna carregada de aura de verdadeiro purgatório econômico de Portugal (e por extensão Europa contemporânea). Se não chega a ser uma obra prima como os filmes recentes do diretor é exclusivamente por conta das limitaçães de francês do Ricardo Trepa limitarem um pouco o impacto dramático do filme.

16) L’Apollonide (Bertrand Bonello)
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Tão impactante nos seus momentos banais quanto nos seus vários momentos de pico dramático este retrato de um puteiro de luxo do fim do século XIX é não só um ensaio muito forte sobre  como as relações de poder se escreve no corpo, como um dos mais ricos retatos de um grupo de personagens que coneseguem ao mesmo tempo preserva uma especificidade individual e uma força coletiva.

15) Century of Birthing (Lav Diaz)
1215

Duas diferentes crises de crença, a de um cineasta a editar seu filme e de um culto religioso que entra em contato com um elemento externo, se encontrar neste muityo forte último filme de Lav Diaz. Compacto para seus padrões (são só seis horas no lugar das oito ou mais habituais), o filme identifica suas questões e as ataca numa abertura direta que desarma o espectador.

14) Holy Motors (Leos Carax)
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É impressionante como Holy Motors desperta um desejo no cinéfilo de se expressar sobre ele (ao menos entre aqueles que embarcam no filme), só nesta semana vi duas revistas (Cinetica e Lola) soltarem dossiês a seu respeito. Confesso que no lugar de escrever sobre ele pensei seriam,ente em simplesmente pescar um clip no You Tube dada a forma como o filme me parece elidir as descrições. A imaginação maneirista de Carax sempre existe um tanto a parte dos seus pares, logo faz certo sentido que este retorna se revele tão inclassificável. Não deixa de ser  uma procissão de adeus ao cinema analógico e daria uma belíssima sessão dupla com O Gerente do Paulo Cezar Saraceni que estava por esta mesma posição na minha lista do ano passado e assim como Holy Motors carregava o mesmo misto de alegria e pesar por toda uma história pessoal de cinema.

13) O Som ao Redor (Kleber Mendonça Filho)
1213

Não quero me alongar muito sobre O Som ao Redor porque estou no processo de escrever um texto longo para a Cinetica, mas não posso deixar de notar o controle carpenteriano de mise en scene, a forma como o filme vai discretamente criando tensão, seu ótimo olhar e ouvido para cotidiano, a maneira como o filme consegue pegar pequenos momentos e isola-los dentro da sua força simbólica sem que eles deixem de fluir naturalmente dentro do ritmo do filme ou ainda como o processo todo é entrecortado por detalhes peculiares que acrescentam a especificidade do universo construído pelo filme. Este não é só um dos melhores e mais atuais filmes brasileiros recentes, mas  também o resultado inevitável de uma década de curta metragens excelentes que o Kleber realizou todos os quais informam diretamente este longa.

12) A Última Vez que Vi Macau (João Pedro Rodrigues e Rui Guerra da Mata)
1212
Em algum lugar entre o filme de conspiração a Rivette/Ruiz e o ensaio de um Marker/Keiller.  As imagens que Rodrigues e Da Mata coletaram na ex-colônia sugerem muitas coisas: uma metrópole em transito, um espaço fluido em que o olhar orientalista do colonizador se perde na modernidade ocidentalizada do oriente e sobretudo um espaço em que histórias acontecem (ou como Candy bem coloca “onde coisas estranhas e assustadoras acontecem”). O mistério da Macau de Rodrigues e Da Mata é dos mais convidativos. Muita da graça do filme surge dele tratar sua Macau como um lugar que seduz na medida em que permite ao espectador projetar o que seus desejos quiserem sobre ele. É a promessa final do exoticismo do qual Josef Von Sternberg (cujo próprio Macao permanece como objeto totêmico para todo o longa)  sempre foi o cultor maior no cinema, retomado numa roupagem contemporânea. É uma ideia que já deu as caras muitas vezes no cinema de Rodrigues, mas que se antes era encerrado num corpo, agora é traduzido para todo um espaço. Toda a Macau é um corpo desviante que seduz.

11) A Bela que Dorme (Marco Bellocchio)
1211

Cineastas dispostos a realizar filmes a partir de grandes temas fariam bem em consultar este grande filme de Marco Bellocchio que parte de uma situação polemica recente sobre eutanásia na Itália e desarma todos os riscos do “filme de tema” e os substitui popr uma obra muito potente sobre viver na Itália contemporânea.  Bellochio pacientemente aproxima múltiplos olhares e experiências até ter um painel muito mais amplo que a simples questão inicial.

10) Autrement, la Molussie (Nicolas Rey)
1210
Talvez o filme mais ambicioso do ano, uma adaptação de uma série de excertos de um romance do filosofo alemão Gunther Anders que o cineasta conhece somente por cima por não ser fluente em alemão. O texto de Anders, publicado em 1936, se refere a uma distopia fascista e o filme de Rey torna-o muito atual basicamente por tatea-lo com olhar humilde de quem busca se aproximar e abrir um diálogo. As imagens contemporâneas que Rey lança mão para ilustrar o texto de Anders ajudam-no a construir uma ponta histórica das mais potentes se o texto original se apresenta como um diálogo socrático sobre um mundo ficticio, Rey constrói o seu próprio dialogo com Anders.  Rey consegue ao longo do filme construir um espaço entre história e fantasia que faz um dos usos mais radicais do imaginário com um ponto de partida para uma interrogação politica que me lembro. É um dos filmes menos acessíveis da minha lista, mas um dos mais recompensadores também e a experiência dela fica contigo.

9) Um Verão Escaldante (Philipe Garrel)
1209
Um Verão Escaldante é um dos filmes mais teóricos de Garrel – até seu uso de atores é cuidadosamente delineado, com o casal Louis Garrel e Monica Bellucci sugerindo zumbis, refilmando o velho romance condenado garreliano, contrastados com as presenças mais naturais e desprovidas de contexto de Jerome Robart e Céline Sallette. Este lado teórico muito pensado também reflete nas frequentes referencias a O Desprezo. Referências que não estão ali por um capricho cinéfilo, mas porque é do espaço entre O Desprezo e Um Verão Escaldante que Garrel procura dar conta. O Desprezo está para Um Verão Escaldante como A Odisséia estava para o longa de Godard: se ali a cultura e os deuses gregos pareciam observar serenamente a tragédia humana que o cineasta franco-suiço desencadeava, aqui é a ideia do tal cinema moderno dos anos 60 que realiza o mesmo olhar – muito mais doído porque, para Garrel, ele não é uma abstração, mas algo vivido com muito força. Este grande filme incompreendido do Garrel parte de uma constatação para se entregar por completo na busca por uma imagem que quebre este mal-estar, uma imagem justa que não seja nem passadista nem apaziguada. Uma imagem que ainda permita a revolta.

8) Life without Principle (Johnnie To)
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O filme de gangster de Johnnie To sobre como o colapso econômico grego afetou Hong Kong. É como um daqueles filmes de George Romero em que o cineasta americano dispensava por completo com o subtexto, até o título de Life without Principle não poderia ser mais direto ao ponto. É um filme cuja grandeza se torna mais evidente nas revisitas quando sua encenação desprovida de subterfúgios se revela com cada vez mais força.  Quando um cineasta que passa tanto tempo trabalhando sobre conceitos de mito, gênero e ironia (e pelas minhas contas To dirigiu/co-dirigiu 34 filmes desde montar a Milkyway em 1997) resolve se despir de tudo isso os resultados só poderiam ser brutal na sua entrega completa.

7) Viola (Matias Piñeiro)
1207

Apesar das suas sensibilidades não poderem estar mais distantes, Viola traz à mente os últimos filmes de Howard Hawks, com quem divide uma mesma ideia de prazer cinematográfico. Como Jonathan Rosenbaum observou certa vez, Hawks é um artista que trabalha de forma muito mais próxima ao de um bandleader de jazz, como Duke Ellington, do que da ideia habitual de autor de cinema. Podemos dizer o mesmo de Matias Piñeiro. Assim como as melhores peças de jazz comunicam principalmente o prazer de uma série de músicos em trabalharem uns a partir dos outros, Viola frequentemente sugere que Piñeiro apenas conspirou para criar situações que permitam que seus atores e técnicos trabalhem juntos e o filme é intoxicado pelo mesmo sentimento de descoberta. Cada um dos seus blocos pode facilmente ser visto como um número separado, dotado de suas intensidades e lógicas próprias, com o texto de Noite de Reis ecoado naturalmente ao longo dele, servindo como uma tênue união temática. Viola é um filme fascinado por papéis e a forma como se entra e sai deles, assim como pela maneira com que o grupo cria naturalmente suas ficções. Esta construção musical faz com que ele mantenha uma leveza e graça bem particulares. Piñeiro é sempre pronto para trabalhar a partir de cada uma das situações, explorando-as em busca de novas configurações.  Provavelmente 2012 não revelou filme mais prazeroso.

6) Bernie (Richard Linklater)
1206

Muitos filmes desta lista se constroem sobre um certo ideal de “ficção de coletivo” mas nenhum tal qual este conto mordaz Linklater sobre um caso real no interior do Texas de um assassinato cujo responsável era tão adorado na sua pequena comunidade que a promotoria apesar de amplos fatos e uma confissão se viu obrigada a levar o julgamento para outra cidade para ter qualquer chance de condenação. Contado parcialmente pelos locais em entrevistas e contado com trabalho excepcional de Jack Black, Shirley MaClaine e Matthew McConaughey, este é o melhor filme de Linklater em mais de década igualmente trágico, engraçado e charmoso. Bernie sustenta bem comparações com um filme como Stars in My Crown do Jacques Tourneur ou alguns dos filmes de comunidade de Ford e não consigo pensar em muitos elogios maiores que poderia prestar a um filme do que essse.

5) Il se peut que la beauté ait renforcé notre résolution – Masao Adachi (Philippe Grandrieux)
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Um grande cineasta, Grandrieux, retrata outro, Adachi, neste belíssimo documentário. Poucos conhecem Masao Adachi, parceiro habitual do recém falecido Koji Wakamatsu nos anos 60, e o único cineasta radical do período a ter se engajado na luta armada, mas Grandrieux faz uma intyrodução cuidadosa ao homem tanto quanto ao artista. Adachi é sobretudo um resistente e Grandrieux se dedica a procurar para si uma representação mais justa quanto possível. Um filme por vezes misterioso, fugidio como seu personagem central, mas que mais do que justifica seu belo título e que diz muito sobre o que signfica ser um artista política nas últi,as décadas.

4) Policeman (Nadav Lapid)
1204
O principio é um problema de representação política: Lapid quer dar conta de todo consciente doentio das divisões políticas israelenses e a localiza na oposição entre dois tipos que não poderia estar mais distantes, um brutalmente eficiente policial da unidade de ação anti terrorista e uma radical pronta para realizar o sequestro que sabemos mais  do que condenado ao fracasso. Lapid realiza um filme de superfícies perfeitamente observadas, que encontra uma potencia e dimensão na caricatura muito raras. Policeman pega o credo de que uma imagem pode seguir outra e extrai dele uma representação de um estado de psicose a principio irrepresentável. Dentro de Policeman a um desejo de existir neste espaço em que nenhum diálogo é mais possível, de encontrar para ele uma imagem, uma forma.

3) The Deep Blue Sea (Terence Davies)
1203

Muito se comparou The Deep Blue Sea aos primeiros longas de Davies (Vozes Distantes e O Fim de um Longo Dia), mas o filme me lembra mesmo as adaptações teatrais de Alain Resnais, sobretudo Melo, e a disposição destes filmes em buscar o drama em material antiquado e expô-lo na tela da forma mais cinematográfica possível. Uma questão de achar a mise en scene certa para traduzir em cinema os sentimentos das suas três personagens centrais. Assim como estes filmes do Resnais, The Deep Blue de um maneirismo ao mesmo tempo muito teatral e único ao cinema. Não surpreende que o filme reduza todo o primeiro ato da peça a cerca de seis minutos em que música substitui por toda os diálogos de exposição necessários para situar o espectador no drama ou que ele resolva o dilema da personagem principal no seu clímax através de um movimento de câmera. Davies afinal esta ali interessando tão somente em encontrar uma verdade no drama por mais antiquado que a principio este possa parecer.

2) Like Someone in Love (Abbas Kiarostami)
1202
Num debate depois de uma exibição do seu filme durante a Mostra de São Paulo, alguém perguntou ao Abbas Kiarostami se não era estranho para ele ir ao Japão filmar um filme sobre japoneses quando ele sequer falava a língua o que ocasionou uma daquelas respostas simples e diretas caracteristicas do cineasta iraniano “sempre venho ao Brasil e só de olhar para vocês, acredito que compreendo muito bem aos brasileiros”. Todo a obra de Kiarostami pós-Dez parece existir justamente num ato de contemplar personagens para muito alem do que dizem ou falam e neste sentido Like Someone in Love me parece o filme mais bem resolvido dele após uma década dedicada a depurar este esforço. Seu principio inicial é muito caro a tradição literária japonesa com sua narrativa construída a partir do encontra do velho professor e a jovem prostituta, mas sua construção é território exclusivo do cinema, dos seus planos iniciais da garota no bar até sua confrontação final ao mesmo tempo violenta e nebulosa, tudo se resolve no encontro entre a câmera e uma série de rostos.

1) Tabu (Miguel Gomes)
1201

O “Paraiso Perdido” de Tabu é um espaço assombrado pela saudade, tomado pelo desejo constante de retomar um tempo em que a diferença entre o centro e a periferia era clara. Ao grande museu europeu de Tabu, cabe o papel de ir ao cinema e chorar, seja por si, seja pelas historias que se foram e aquelas que se sonha possível retomar. No filme, todos perdem: os amantes, a Europa, a África. Mesmo os vencedores da história terminam ali somente a revivê-la, saudosos por um novo recomeço. Resta o cinema, esta arte tão preparada para a função de testemunhar. Miguel Gomes capta as trocas de olhares, os sorrisos furtivos, os longos silêncios, os momentos de repouso do casal Aurora e Gian Luca, a paisagem de Moçambique em que a ação foi filmada (filmada, mas onde ela não se passa; o Monte Tabu não é, nem jamais poderá ser, um espaço físico), o crocodilo sempre ali a observá-los. Tabu existe suspenso entre o cinema sonoro e mudo, tanto quanto o filme existe suspenso na memória – seja a dos amantes, seja a de Portugal. Restam-lhe sempre o olhar e este desejo constante de recomeçar.

8 Comentários

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8 Respostas para “Melhores de 2012 (25-1)

  1. LG

    ” o que de mais perto o cinema americano chegou de Philip Roth” – baixando agora.

  2. jorge

    dois, LG. dois. bem como o pynchoniano anterior…

    além de ter anotado uns cinco pares de filmes e ter, em poucas linhas, me convencido a dar uma chance pro “Bernie”. altas recomendações e retweeteadas me trouxeram àqui. e não desapontou.

  3. Zé Luiz

    Interessante a lista, como sempre, Filipe.

    Só estranhei algumas ausências: “Mishima”, “Na Neblina”, “Além das Montanhas” e “Linhas de Wellington” não teriam lugar aí não?

    • Filipe Furtado

      Por partes:
      Mishima foi um dos meus ultimos cortes nas menções honrosas.
      Não sou fã do Losnitza.
      Alem das Montanhas me decepcionou bastante, o Mungiu filma bem, mas me pareceu o filme mais facil possivel a partir daquele material.
      Linhas eu escrevi sobre para Cinetica me pareceu mais forte como esboço de um filme que infelizmente nunca veremos.

  4. Fellipe

    E O Homem Que Não Dormia, Filipe? Procurei por A Separação na lista do ano passado, você não gostou? Grande lista, me interessei por muitos nomes. Abraço.

    • Filipe Furtado

      O Homem Que Não Dormia estava ano passado.

      A Separação é um destes filmes que não me dizem nada. Para ser bem honesto, eu tinha até me esquecido que ele existia antes das listas de fim de ano me lembrarem que muita gente era fã dele.

  5. Filipe Furtado

    Não gostei nada do último Mendoza, me parece um destes filmes que deram bem errado.

    Acho que não fiz nem lista de melhores discos ano passado quanto mais desse.

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