
Intimate Confessions of a Chinese Courtesan
Formação de cânone é um assunto que sempre me interessa muito e este dia me peguei pensando na figura de Chor Yuen. Para quem começa a se interessar pelo cinema de Hong Kong pré-1980. Geralmente a porta de entrada oficial é pelos filmes de King Hu e Chang Cheh e depois Lau Kar Leung, se o cinéfilo realmente quiser passar muito tempo sobre o assunto ele terminara vendo alguns dos filmes de Yuen. E por conta da lógica euro-americanocêntrica da maioria da cinefilia geralmente é isto que acontece.
O que é interessante é que não me parece muito difícil fazer argumento de que Yuen como igual e/ou superior a estes outros nomes (não que o ache necessariamente superior, meu ponto aqui tem pouco a ver com rankings), só que algumas das razões para isso tem muito a ver com o porque Yuen não é um nome tão mencionado.
Yuen não tem propriamente um ponto de pico claro como Hu entre 66 e 75 e Cheh entre 66-70. Pelo contrário, enquanto os grandes nomes do auge de Shaw Brothers tiveram consideráveis dificuldades a partir dos anos 80 (eu argumentaria que a decadência de Cheh é evidente depois que o cinema de artes marciais local se moveu do Wu Xia para o kung fu ainda no coimeço dos anos 70 apesar de alguns belos filmes como Five Deadly Venoms), Yuen seguiu bastante produtivo e se adaptou bem a indústria do período e até começou uma segunda carreira como ator (ele é o vilão de Police Story, por exemplo). Yuen é junto do Lau Kar Leung, os únicos nomes do cinema “clássico” de Hong Kong a dirigir filmes de relevância no boom da segunda metade dos anos 80, em 88 por exemplo ambos fizeram dois do melhores veículos de Chow Yun Fat do período (o homem filmava quase um filme por mês no fim dos anos 80 então não falta concorrência), Tiger on the Beat (Leung) e The Diary of a Big Man (Yuen). O ultimo filme de Yuen como diretor foi uma das primeiras comedias de Stephen Chow.

Sex, Love and Hate
A grande dificuldade para público ocidental chegar Yuen é menos a longevidade (apesar de ser sempre mais fácil quando existe um ponto alto claro), e mais a versatilidade do cineasta. Ele começou a carreira com dramas contemporâneos na década de 60 como The Great Devotion. Não são fáceis de achar ( filmes contemporâneos de HK dos anos 60 disponíveis tendem a ser musicais, comedias leves ou os sub Bonds da Shaw Brothers), a não ser que você seja maluco como eu e encare melôs chineses sem legenda no You Tube (por sinal, vale o esforço). No seu período mais acessível da década de 70/80, Yuen dirigiu seus clássicos de artes marciais (The Magic Blade, Clans of Intrigue, The Sentimental Swordsmen), mas ele também fez trabalhos de ponta em gêneros como a comedia social (The House of 72 Tenants, Hong Kong 73) ou o melodrama (Sex, Love & Hate, The Forbidden Past). Mesmo vários dos seus filmes de artes marciais tendem a ser muito mais híbridos, como o neurótico quase noir The Convict Killer.
O melhor filme de Yuen provavelmente é o inclassificável Intimate Confessions of a Chinese Courtesan, a história singela da moça que é raptada e vendida a um bordel que aos poucos prepara sua vingança contra seus clientes poderosos e sua cafetina lésbica. É o mais elegante filme de explotation imaginável com um grande controle formal e um primeiro ato que realmente se esforça para ser desagradável. Yuen tem um prazer enorme em trabalhar com mudanças radicais de tom e a despeito dos vários registros sustenta a mesma intensidade. É um filme de vingança da Shaw Brothers, mas está mais próximo de Carlos Reichenbach do que Chang Cheh.

Diary of a Big Man
Claro que Yuen tenha grandes filmes separados por quase quatro décadas e nos mais diversas gêneros não o torna necessariamente um cineasta maior do que Hu ou Cheh, mas ajuda explicar porque ele não merece ser uma nota de rodapé do período (assim como é um crime reduzir Naruse a um cineasta a se visitar depois de se explorar a fundo Ozu-Mizoguchi-Kurosawa). Um pouco como Tsui Hark nas ultimas três décadas, Chor Yuen encompassa o cinema local no período entre 1960 e 1990 como nenhum dos seus contemporâneos e isto não deixa de ser muito representativo. Que ele siga tão pouco conhecido e não seja uma porta de entrada habitual deste cinema diz mais sobre fragilidade com que a cinefilia ocidental lida com qualquer cinematografia fora do eixo dos 4 ou 5 cinemas nacionais mais habituais do que sobre seus filmes.
Taí uma parte da cinematografia oriental e que sempre tem grandes obras!
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Para quem curte Chor Yuen, este livro é uma grande pedida: http://www.shopthrupost.hk/products.jsp?productid=M5FA00034&ad=relative
Muito bom ver um post tão completo sobre este excelente diretor.