Esta semana confirmou-se que a prefeitura arquivaria o tombamento do Belas Artes como esperado (o prédio afinal não tinha nenhum valor histórico-arquitetônico). Logo o dono do imóvel deve alugar o espaço para alguma loja e o Belas Artes oficialmente será só história. Moro ali do lado e passo em frente do prédio abandonado quase todos os dias, fico ali parado a olhar para ele enquanto o sinal entre a Paulista e a Consolação não abre, sempre me choca muito o prédio abandonado; mas não exatamente ele ou as pichações, mas aquele “Desde 1952” na fachada. Com o prédio fechado aquilo ganhou um peso diferente um grito agressivo que parece dizer “vejam só o que vocês vão abandonar”.
Aquela marca de “Desde 1952” representa todo o capital cultural ali investido. Agora que a noticia de quem a intervenção estatal naufragou certamente ouviremos novos lamentos. São quase 60 anos de história, um nome bonito, bela localização ali em frente ao também fechado (e até hoje vazio) Riviera. È bonito lamentar o fim dos Belas Artes, checo pelo Facebook e vejo que a comunidade contra seu fechamento tem 115 mil adesões! É sempre bom chorar a substituição de um espaço de troca cultural por alguma loja de conveniência genérica.
Fico porém pensado naquele “Desde 1952” e a idéia de capital cultural. O outro lado nunca mencionado nestas vigílias, é que o Belas Artes era sobre certos aspectos a pior sala de cinema de São Paulo. Muito bem programada sem dúvidas, mas com péssima projeção, péssimo som (vi filme lá com um canal inteiro a desaparecer), péssimas poltronas, etc. Tudo isso pelo preço de outros espaços “de arte” como o Unibanco ou Reserva Cultural. Depois de muito chorar seu risco de fechar e mobilizar a sociedade paulistana, arranjou-se um patrocinio do HSBC e os administradores pegaram ele e investiram em algumas mudanças cosméticas no saguão. Afinal, é isto que importa, não os filmes. A despeito de toda a sua história o Belas Artes como diria um amigo cineasta aqui de São Paulo é só mais um “cine bistrô neoliberal”, com a diferença que estas outras salas todas te entregam um produto que prometem melhor.
Toda vez que alguém toca no assunto Belas Artes me vêm sempre a cabeça o Gemini. É impossível separá-los. Quando Gemini fechou ano passado fiz um post aqui no blog e mencionei na época que para mim era algo mais trágico que um possível fim do Belas Artes. Meu apego ao Gemini tem certamente um valor nostálgico tanto quanto o de muita gente ao Belas Artes, era uma sala de cinema velha que me lembrava as salas de cinema que eu ia na infância e na adolescência, antes do Cinemark iniciar o processo de pasteurizar todas as salas de cinema. O que mais eu gostava no Gemini porém era outra coisa: sua curiosa democracia. Explico Gemini nunca foi uma sala de cinema programada, passava-se lá o que sobrava, fosse esta sobra Bressane, fosse Harry Potter. O que unia os filmes que passavam no Gemini era que eram filmes para qual aquela altura o mercado já não se interessava (quando um filme como o Bug do Friedkin estreava lá na sua primeira semana, você sabia que aquele filme estava em apuros com o mercado exibidor paulistano). Era uma sala pobre, mas honesta, passava sempre uns 4 filmes, dos quais geralmente só um era bom, mas fazia aquele serviço que ninguém mais prestava de postergar a carreira comercial de todo e qualquer tipo de filme. O que evidentemente o Gemini não tinha é que sobra ao Belas Artes, a história, o nome, a associação com uma outra São Paulo, em suma o capital cultural do “Desde 1952”.
O Gemini fechou a mais de um ano, não houve passeatas ou abaixo-assinados não existe sequer uma comunidade do Facebook do tipo “Gemini – passei por lá”. A sala está lá esquecida numa galeria da Paulista. O mercado é cruel sempre. Me chateia o fim do Belas Artes, me sinto mal passando ali na frente quase todas as noites, certamente era melhor para a cidade que o espaço ao menos existisse por mais mau administrado que ele fosse. Mas também me sinto incomodado quando vejo as manifestações a seu respeito e me lembro de todas as outras salas aqui de São Paulo que eu vi fechar e as quais a sociedade nada fez (pensemos, por exemplo, no Studio Alvorada e no Astor substituidos por este monstrengo de consumismo elegante chamado Livraria Cultura, que vamos todos visitar regularmente). É cruel a lógica do capital cultural, muito porque a sua palavra mais importante não é cultura.
Eu detestava o Belas Artes, só ia lá se o filme não estivesse em lugar algum. Ao Gemini (que herdou esse posto de “fim de circuito” do Lilian Lemmertz, outro infelizmente fechado), ia bastante e gostava bem mais; era chato eles aceitarem apenas dinheiro, mas era muito simpático ganhar uma paçoca com o ingresso.
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Belo texto Filipe.
Eu citaria também uma sala mais jovem, mas com programação forte: o Top Cine