É um tanto inevitável que Isto Não é Um Filme receba o valor de um evento, mas há duas características contraditórias muito interessantes na sua recepção. Primeira há a supressão quase completa de Mojtaba Mirtahmasb, o amigo documentarista de Jafar Panahi que co-dirigiu o filme com ele. Muitos anos atrás escrevi para um site americano um artigo (sobre McG e Kiarostami) chamado autorismo na era do supermercado; quando se nota que na crítica do Ricardo Calil na Folha de hoje não se menciona a existência de Mirtahmasb (inclusive vale dizer nas informações de serviço no pé do texto!) percebe-se exatamente como uma idéia de autorismo é sutilmente cooptada por uma lógica de mercado. De Isto Não é Um Filme importa sobretudo a figura de Panahi cineasta algo conhecido no ocidente cuja situação atual desperta nas platéias do circuito de arte uma grande curiosidade. O que é muito interessante nisso é justamente o outro dado que me parecer merecer destaque: o filme que é vendido até nos numa lógica em que é natural suprimir a co-autoria de Mirtahmasb, é muito mais o filme que interessa ao próprio Mirtahmasb do que ao Panahi.É o amigo que procuro o tempo todo guiar Isto Não é um Filme na direção da denuncia enquanto o próprio Panahi tem outras preocupações. A grande força de Isto Não é um Filme é justamente de que ele não é um filme de Jafar Panahi ou de Mojtaba Mirtahmasb, mas uma obra conjunto em que ambas as partes o tempo inteiro estão em troca de olhares e concessões. A potência política do filme vem justamente de que sua denuncia existe não como lamento de uma situação, mas em meio a uma troca de diálogos de dois artistas que concorda sobre muita coisa, mas não tem necessariamente a mesma idéia de qual filme fazer sobre aquele tema. Panahi não é só um artista desafiando um regime autoritário quando pega sua câmera, mas um que esta no processo nos mostrando o exato oposto deste regime. A lógica do do nosso circuitinho como supermercado porém não tem nenhum interesse disso a sua maneira ela não deixa de ser extremamente autoritária. Nada surpreendente já que ao mercado, qualquer mercado, nunca interessa a política.