Há algumas semanas, o selo americano Kino Lorber lançou um blu-ray de Tomahawk, um western de 1951 dirigido pelo especialista do gênero George Sherman. Eu gosto muito de Tomahawk, caso contrário eu não escreveria sobre ele, mas uma das razões sobre as quais eu gostaria de falar é que trata-se de um bom exemplo de um subgênero muito particular de western dos anos 50 geralmente progressista que tenta mostrar um olho simpático para as tribos nativo americanas nos anos da expansão do oeste.
Mencionei Sherman, um bom cineasta que fez muitos westerns de qualidade dos anos 30 até o início dos anos 70, mas este gênero era antes de tudo trabalho da Universal, onde ele era normalmente empregado durante aqueles dias. O estúdio teve um grande sucesso com Broken Arrow um faroeste protagonizado por James Stewart e dirigido por Delmer Daves no ano anterior e localizou ali uma deficiência de mercado, as pessoas estavam assistindo westerns em número recorde na década após a Segunda Guerra Mundial e entre este grande público havia aqueles dispostos a ver filmes entre a cavalaria e os índios que mostravam o ponto de vista destes últimos e assim eles continuaram a produzir pelo menos um desses faroestes a cada ano. A Universal produziu em média mais de 10 westerns por ano nos anos 50, de longe o maior número entre todos os estúdios naqueles dias dominados pelo gênero, portanto, um ou dois destes por ano não era algo difícil. Além de Tomahawk, o próprio Sherman fez The Battle at Apache Pass (1952, uma seqüência semi-oficial de Broken Arrow), Chief Crazy Horse (1955) e o independente Comanche (1956) e outros diretores mais conhecidos como Budd Boetticher (Seminole, 1953) ou Douglas Sirk (Taza, Son of Cochise, 1954) tentaram a mão nele para Universal, enquanto alguns outros estúdios lançavam filmes como Pony Soldier (1952) ou Sitting Bull (1954) que seguiam o formato de perto.
Esses filmes têm sua fórmula padronizada a partir de Broken Arrow: eles têm um herói branco que geralmente é um olheiro ou comerciante que conhece bem os nativos americanos e, mais importante ainda, tem grande empatia para com eles, haverá um líder indígena com princípios que está cansado de lutar e disposto a se contentar com uma solução diplomática, que tem que lidar com algum jovem cabeça quente que sugere um membro de gangue de jovens dos anos 50, atrás de uma luta suicida, enquanto a cavalaria se divide entre burocratas sem noção e oficiais racistas à Custer. As ênfases obviamente mudam um pouco de filme para filme, em Tomahawk Van Heflin interpreta o herói, John War Eagle está muito bem como o líder indígena Red Cloud e Alex Nicol é o oficial racista que Heflin persegue devido a sua participação num massacre anterior e a política interna da tribo é secundária em comparação com Broken Arrow. Esses filmes são grandes fantasias centristas de reconciliação sobre como se as partes sãs e de cabeça fria tivessem conseguido comandar as ações e chegado a uma solução meio termo, a história norte americana teria muito menos sangue em suas mãos.
Eles são animados pela compreensão da fantasia de seus cenários, o público dos anos 50 sabe que nos termos desenvolvidos por esses filmes os seus vilões e a violência venceram e eles tendem a ser pelo menos um pouco amargos para com isso. O clímax de Tomahawk é construído em torno de duas batalhas opostas da história oficial conhecidas como “The Fatterman Massacre” e “Wagon Box Fight”. A primeira foi uma das maiores derrotas da cavalaria com cerca de 80 soldados mortos e a segunda foi um massacre promovido por uma pequena tropa da cavalaria contra as forças de Red Cloud, graças às espingardas modernas. O filme começa com um encontro diplomático fracassado com os índios denunciando os brancos por voltarem atrás em sua palavra mais uma vez com a bênção total de nosso herói e, ao longo dele, Heflin aponta continuamente que a estrada através das terras Sioux que gera o conflito não é algo que justifique a guerra e na altura da cena final o coronel vivido por Preston Foster reclama que a despeito da vitória de suas tropas, os políticos de Washington decidiram desativar a estrada tornando o derramamento de sangue do filme em algo sem valor. Os historiadores especializados na expansão do oeste têm discordâncias sobre a extensão das perdas de Red Cloud no Wagon Box Fight, mas Tomahawk usa a interpretação favorita do exército dos Estados Unidos de que elas foram muito altas algo que paradoxalmente faz a Cavalaria parecer pior no filme. A cena está entre as melhores de um western dos anos 50 transformando a batalha em um ritual militar sangrento com uma nova onda de índios se deslocando à cavalo e sendo abatidos a tiros substituídos por outra e assim por diante, o foco em Heflin observando tudo com lágrimas de crocodilo apenas reforçando sua ineficiência como protagonista.
Ao fim de Tomahawk, a única coisa alcançada é a vingança pessoal de Heflin contra o oficial de Nicol, mas a sensação geral é de que a expansão do oeste é um desfile violento sem sentido, guiado pelo desejo de lucro de alguns comerciantes invisíveis, permanece forte. Tomahawk é um filme bastante bom, que até faz muito no sentido de observar como o coronel idiota de Foster é tão mau à sua maneira quanto o sociopata de Nicol, as manobras políticas fluem melhor do que em muitos faroestes do tipo, as partes didáticas são bem integradas, assim como alguns dos pontos mais convencionais da trama, a cena do massacre no final é pesada e o controle da ação e da violência por parte de Sherman é ótimo e, como na maioria dos westerns da Universal, a fotografia tecnicolor é visualmente muito expressiva. Ainda assim, embora politicamente seja melhor do que a maioria dos exemplos do gênero, o que fica para mim sobre todos eles é o quanto este grupo de faroestes representam uma forma de mercantilização do pensamento progressista, ela existe menos porque há algum executivo com consciência pesada do tipo Heflin na Universal, mas porque explorar essa culpa era um bom negócio. Já assisti a tantos westerns dos anos 50 que com o tempo é difícil não pensar muito sobre isso, não trata-se de um exercício em cinismo crítico, mas lidar com a realidade complicada de como opera a produção de filmes industriais e cujas consequências são fáceis de observar até os dias atuais, já que a ênfase política pode mudar, mas a lógica da indústria permanece a mesma.
De fato, apesar de eu gostar de Tomahawk, George Sherman fez westerns melhores na Universal, particularmente Dawn at Socorro e The Last of the Fast Guns, duas pérolas do gênero, mas eu gostaria de fechar este texto mencionando Reprisal! um pequeno filme fantástico que ele fez na Columbia em 1956. Quase ninguém fala sobre Reprisal, porque ele é protagonizado por Guy Madison, um dos cowboys menos significantes desta época que também o produziu, mas é um filme perturbador sobre identidade e política racial feito no mesmo ano que Rastros do Ódio com Madison interpretando um rancheiro meio Cherokee passando-se como branco que é forçado por um linchamento de indígenas por uma família rica local a eventualmente tomar uma posição. Madison é um ator muito pior que Heflin e o final é suavizado como esperável (há um limite do que se pode fazer em um filme de gênero sob a censura da época), mas o filme é um olhar duro e sério que trabalha bem com a narrativa discursiva enxuta do qual o western sempre foi pródigo. Ele está longe de ser um filme perfeito, mas apesar de suas concessões, se beneficia muito de como um filme menor e semi independente, poder lidar com essas questões pesadas com respostas menos codificadas.
Vi todos esses filmes, aliás, tenho os DVDs de todos os mencionados. E outros, especialmente os inúmeros sobre Custer, ora herói, ora verme. Era verme, desses mais nojentos.