Como sempre, o critério são filmes de mais de 45 minutos lançados nos últimos três anos vistos pela primeira vez em 2021.
Meu curta favorito do ano foi Twelve Seasonal Films do Jorge Suárez-Quiñones Rivas, uma viagem de luz por todo um ano. Outros dez dos quais gostei muito: Cityscape (Michael Snow), Colección privada (Elena Duque), Condor (Kevin Jerome Everson), daylight (James Benning), La Lumière, la lumière (Philippe Grandrieux), The Night ((Tsai Ming-liang), Propiedades de una esfera paralela (Valentina Alvarado Matos), Se hace camino al andar (Paula Gaitan), Still Processing (Sophy Romvari), Train Again (Peter Tscherkassky).
100) A Última Floresta (Luis Bolognesi)
O verde da Amazônia é uma das coisas mais cinematográficas.
99) Short Vacation (Kwon Min-pyo, Seo Han-sol)
Um destes filmes que tem um olho preciso para a amizade adolescente.
98) Fat Chance (Stephen Broomer)
Laird Cregar, a imagem da vilania dos anos 40, preso numa teia de texturas que expandem esta imagem e se revelam uma armadilha hollywoodiana.
97) Sakura (Hitoshi Yazaki)
O filme mais mainstream de Yazaki cujas superfícies claras assim como sua família feliz vão sendo corroídas por dentro.
95) Cliff Walkers (Zhang Yimou) e Resident Evil Bem-vindo a Racoon City (Johannes Roberts)
Exercícios de gênero de formalistas cuja cujo cuidado das imagens engole aos poucos seus personagens. Que seus realizadores trabalham num completo vácuo dramático é parte do que me fascina neles.
94) Atarrabi & Mikelats (Eugène Green)
Deus e o diabo na terra de Green. Um conto de luz e sombra.
93) Come Here (Anocha Suwichakornpong)
Uma imersão direta e física sobre um mundo sempre a um passo do fantástico.
92) O Homem Ideal (Maria Schrader)
Num mundo desolador é ao mesmo tempo difícil e assustador resistir às seduções da ficção seja dos ritmos da comédia romântica, seja do homem algoritmo no seu centro.
91) Aos Pedaços (Ruy Guerra)
Como quase todos os últimos filmes do Ruy Guerra, Aos Pedaços é uma viagem dentro de si mesmo, mas carregada de uma auto interrogação introspectiva que ele a muito não alcançava, o filme se desfaz com muita força.
90) História do Oculto (Cristian Ponce)
A história da América Latina como este conto de horror cósmico que sempre retorna.
89) Bad Trip (Kitao Sakurai)
O ponto de partida é a mistura de comédia de baixo calão com pegadinhas que coisas díspares como Jackass ou Borat consagraram, mas é formalmente muito bem integrada do que a maior parte desses o mundo trazido para dentro de uma comédia genérica e por isso mesmo muito mais engraçada.
88) Les amours d’Anaïs (Charline Bourgeois-Tacquet)
O filme mais francês de 2021. Uma comédia muito prazerosa sobre as relações entre poder e desejo e um ótimo veículo para Anaïs Demoustier.
87) All Eyes Off Me (Hadas ben Aroya)
Um filme dolorosamente íntimo sobre o ataque pânico que é ser jovem hoje em Israel ou qualquer outro lugar.
86) Castle Falls (Dolph Lundgren)
Um pequeno thriller de caça ao tesouro feito por gente para quem dinheiro não é algum símbolo metafísico, mas a realidade materialista de boletos a pagar.
85) Bloodsuckers (Julian Radlmaier)
Um excitante e muito engraçado gótico marxista.
84) Întregalde (Radu Muntean)
O realismo romeno se perde no mato. Tensões formais de gênero muito interessantes.
83) Todos os Mortos (Caetano Gotardo, Marco Dutra)
Um filme de assombração para uma nação zumbi.
82) Escape from Mogadishu (Ryoo Seung-wan)
Uma das fantasias favoritas do cinema coreano, o da colaboração entre as duas Coreias, num thriller com um pano de fundo político real. Tenso, excitante e tem algumas cenas de ação espetaculares.
81) Downstream to Kinshasa (Dieudo Hamadi)
Corpos esquecidos de uma guerra sobrevivem, vivem, respiram.
80) French Exit (Azazel Jacobs)
Uma comédia de ilusões aristocráticas, super arcaica, para poucos gostos, muito engraçada e Michelle Pfeiffer está ótima.
79) An Unusual Summer (Kamal Aljafari)
Um uso muito intrigante do dispositivo de vigilância tanto como observação como thriller formal.
78) Love After Love (Ann Hui)
Ann Hui lançando mão de uma tardia variação sobre as bases do filme de época da quinta geração chinesa para um dos seus melodramas discretos. Uma correnteza de sentimentos engolida a seco.
77) Stillwater (Tom McCarthy)
Cinema americano fora de lugar como tema e forma. O Matt Damon está excelente.
76) Subterrânea (Pedro Urano)
Investigação geológica sobre um Rio de Janeiro eterno.
75) Voltei! (Ary Rosa, Glenda Nicácio)
Negociar um apocalipse chamado Brasil como só nós sabemos.
74) In the Earth (Ben Wheatley)
Wheatley sempre é mais interessante quando se engaja com tradições britânicas e esta variação sobre Nigel Kneale a partir do desconhecido da floresta e o que ele produz sobre os homens é o melhor dele em muito tempo.
73) Diários de Otsoga (Miguel Gomes, Maureen Fazendeiro)
Gomes e Fazendeiro emprestam seu humor absurdista para a loucura que é continuar o cinema durante a pandemia. Uma comédia muito boa sobre trabalho que é também um filme sobre fazer cinema muito mais ancorado nas realidades da produção do que o habitual.
72) The Eight Hundred (Guan Hu)
Cinemão espetacular sobre resistência em meio à derrota. Baseado num episódio de cerco militar durante a invasão japonesa da China. A coreografia de destruição do diretor Guan Hu é bem impressionante, colocando o que de melhor a indústria chinesa pode oferecer para muito bom uso.
71) The Wolf of Snow Hollow (Jim Cummings)
O diretor/ator Jim Cummings vem construindo uma carreira pagando mico de forma masoquista com excessos de masculinidade e esta comédia de horror com uma coleção muito improvável de elementos é o melhor dos longas dele, muito porque ele está excelente no papel principal.
70) Murina (Antoneta Alamat Kusijanović)
As relações de poder familiares observadas com ótimo olho e com um trabalho cuidadoso de locação. Tudo ao mesmo tempo enorme e mínimo diante da paisagem litoral.
69) Maligno (James Wan)
É excesso puro, feito de partes de outros filmes e de mau gosto, mas difícil eu não amar ver Wan se jogando com gosto nesta homenagem cara as partes mais baratas do horror independente americano dos anos 80.
68) Hell Hath No Fury (Jesse V. Johnson)
A segunda guerra é como um cemitério de almas gananciosas e nada honradas. Jesse V. Johnson segue um dos diretores de baixo orçamento mais ambiciosos e têm muitas soluções criativas para que seja no fundo uma comédia absurda de danação de locação única.
67) Old Henry (Potsy Ponciroli)
Se o filme não chega a cumprir suas ambições de ser um Os Imperdoáveis série B, mas é um faroeste muito bom feito num tom menor e com atuações fortes do Tim Blake Nelson e Stephen Dorff.
66) Espontânea (Brian Duffield)
Um filme adolescente bastante charmoso sobre ser jovem num mundo em que se pode morrer a qualquer momento.
65) Um Caso de Detetive (Evan Morgan)
Um ótimo conto de detetive com uma compreensão muito boa de personagens cujas vidas vão a lugar nenhum. Sei que o título original faz parecer um sub cult indie, mas está bem mais próximo de um estudo de personagem a partir de formas ficções reconhecíveis da Nova Hollywood como A Última Investigação.
64) Caught in Time (Lau Ho-Leung)
Este foi um ano bastante bom para thrillers de ação de cineastas de Hong Kong. Este sobre a guerra entre um policial e um assaltante nos anos 90 transforma a China numa zona caótica e violenta. Propulsivo e com algumas sequências de ação muito boas.
63) Enorme (Sophie Letourneur)
Uma comédia de horror sobre as diferentes formas em que mulheres e homens experienciam gravidez. Desconfortável, engraçadíssimo, embaraçoso e bastante direto sobre as diferenças de poder envolvidas. Marina Föis está ótima.
62) Vento Seco (Daniel Nolasco)
Uma guerra de desejos sensoriais que desaparece nos limites do corpo.
61) O Joelho de Ahed (Nadav Lapid)
A mixtape de um cineasta alienado e raivoso que é mais forte justamente por não permitir nenhuma distância.
60) A Cidade dos Abismos (Priscyla Bettim, Renato Coelho)
Um passeio pela memória audiovisual do cinema paulistano e um filme sinfonia de uma cidade de amor e violência.
59) Coffin Homes (Fruit Chan)
Uma comédia de horror grosseira sobre como viver em Hong Kong é um inferno muito caro. Algumas imagens memoráveis. Um dos motivos pelos quais aprecio Fruit Chan é porque nunca sei o que esperar dele.
58) Labirinto do Cinema (Nobuhiko Obayashi)
Obayashi sonha com o cinema e tudo que ele tem de belo e horrível uma última vez.
57) The Killing of Two Lovers (Robert Machoian)
As relações se desfazem numa série de repetições e papéis que precisam ser estritamente seguidos. Drama duro muito bem modulado.
56) Tu mérites un amour (Hafsia Herzi)
Desaparecendo numa procura constante por conexão sexual. Uma aula sobre permitir aos corpos respirar.
55) The Velvet Underground (Todd Haynes)
Os Velvets como o nexo de toda a cena artística underground de Nova York dos anos 60. Filme de arquivo no melhor sentido onde cada escolha é preciosa.
54) Re Granchio (Alessio Rigo de Righi, Matteo Zoppis)
Luz nas pradarias. Mito do cinema revisto entre o faroeste e o fantástico.
53) Monster Hunter (Paul WS Anderson)
Um ideal platônico de cinema: apenas dois atores expressivos negociando um terreno complicado.
52) Azor (Andreas Fontana)
Se mover sobre os espaços e liturgia do poder. Um filme de aventura opaco sobre descer o rio da exploração latino-americana.
51) The Swordsman (Choi Jae-hoon)
O filme de samurai é reimaginado como masoquismo coreano. Brutal e muito bem filmado.
50) Ostinato (Paula Gaitán)
Quando dois grandes artistas se encontram. Arrigo Barnabé fala um bocado, mas diz o mesmo tanto quanto só ouve.
49) The Matrix Resurrections (Lana Wachowski)
Sobre achar algo vital numa imaginação dominada por máquinas. Dar novo corpo às ideias, às interpretar, reclamá-las e permitir que voltem ao mundo.
48) Saxifrages, quatre nuits blanches (Nicolas Klotz, Elisabeth Perceval)
Rostos e sombras numa luta constante para continuar a resistir. Uma espécie de apêndice uma década depois do subestimado Low Life do casal Klotz/Perceval, aquele filme parece em retrospecto um dos retratos chave da Europa da década da passada, este mantém o fogo vivo.
47) The Annotated Field Guide of Ulysses S. Grant (Jim Finn)
Os restos materiais da guerra civil americana e como é permitido ela ainda ressoar no imaginário do país. Finn permanece um dos mais interessantes artistas políticos dos EUA.
46) Faya Dayi (Jessica Beshir)
Da colheita ao transe. Uma anti pastoral sobre atração e repulsão pela Etiópia das raízes da cineasta Beshir. Pairando sobre o país, observa-o, mas se mantém a uma distância fascinada dele.
45) Tre Piani (Nanni Moretti)
Moretti meio que revisitando O Quarto do Filho, mas agora a família italiana é esta coisa sufocante com apenas alguns momentos de fuga. Um melodrama seco de violência absurda. Talvez o filme mais mal compreendido do ano, é louco, às vezes vergonhoso, muito duro e de longe meu Moretti favorito em muito tempo.
44) Crime Culposo (Shahram Mokri)
A permanência violenta de certas imagens. O cinema faz a mediação a tragédia e trauma nacional, o estende e mistifica, espelha, deixa o tempo consumir a si mesmo.
43) IWOW: I Walk on Water (Khalik Allah)
O morador de rua haitiano e o artista narcisista decidido a retratá-lo: uma relação violenta. A ideia da rua e da comunidade como algo irresistível, mas o filme só encontra relações de poder díspares nas suas imagens poéticas.
42) Ferny & Luca (Andrew Infante)
Um musical romântico, no ritmo das palavras e imagens tanto como quanto a música é central a ele. Um filme muito generoso justamente porque pronto a abraçar toda a bagunça que a vida pode ter.
41) Os Primeiros Soldados (Rodrigo de Oliveira)
Um retrato mítico e muito potente do primeiro ano da AIDS no Brasil. Os corpos podem desaparecer, mas vive-se sempre um pouco mais quando é possível prolongar os gestos.
40) Madalena (Madiano Marcheti)
Um corpo morto no campo. Um filme sobre um lugar, a violência e a vida que ele contém e as estruturas rígidas da sociedade que o organizam e a busca por encontrar uma forma de viver e criar que permita respirar um pouco mais ali.
39) Bergman Island (Mia Hansen-Løve)
Vida e ficção e suas muitas mediações e obsessões. É uma discussão estética inclusive sobre as relações com uma herança cinematográfica. Hansen-Løve lançou dez anos atrás Adeus Primeiro Amor que segue meu filme favorito dela e este Bergman Island é como duas visitas a este mesmo material que ela claramente não pode deixar para trás.
38) Un monde flottant (Jean-Claude Rousseau)
Rousseau viaja ao Japão e faz um filme sobre um mundo moderno observado por um olhar que paira num lugar distante.
37) One Shot (James Nunn)
Eu não costumo ser um grande fã de truques de um take só, mas o contexto aqui, um filme de ação de baixo orçamento, torna os desafios mais fascinantes e trata-se menos do plano contínuo do que uma variação sobre o tempo e este contraste entre a ação ser urgente e desesperada e ao mesmo tempo estendida, cada gesto imediato, mas alongado.
36) Old (M. Night Shyamalan)
O cinema contém toda uma vida. O aparato cinematográfico como uma avenida de horror. O filme meio que desanda no final, mas é um dos mais pessoais e intrigantes do Shyamalan até ali.
35) Shock Wave 2 (Herman Yau)
O cinema de Hong Kong é um amnésico no qual múltiplos desejos são projetados e com a missão ingrata de tentar equilibrar todos eles.
34) The Rescue (Dante Lam)
O especial Dante Lam: ação grandiosa espetacular apresentada a partir de melodrama excessivo. O tema é o departamento de resgate e salvamento chinês então trata-se de uma série de desastres de larga escala imaginados com cuidado e o máximo de caras sofrendo em câmera lenta e Chi quanto Lam consegue incluir.
33) O Ataque dos Cães (Jane Campion)
Como quase todos os filmes da Campion é sobre a relação entre poder e desejo, mas é também uma revisita ao Retrato de uma Mulher, mas com um cowboy igualmente cercado ao centro. Uma série de atores exagerados sufocados pelos papéis que a sociedade lhes mandou interpretar num filme cujas imagens pretensamente sutis seguem os aprisionando.
32) Raging Fire (Benny Chan)
Benny Chan podia entregar o caos da ação como poucos outros cineastas.
31) Barb & Star Go to Vista Del Mar (Josh Greenbaum)
Tão próximo de um musical do George Sidney quanto o cinema americano contemporâneo é capaz de chegar. E Jamie Dornan é um surpreendentemente bom análogo a Esther Williams.
29) The Empty Man (David Prior) e Smiley Face Killers (Tim Hunter)
Duas ficções de horror paranoicas que soam muito ressonantes hoje. Smiley Face Killers é uma conspiração urbana estéril e The Empty Man é um horror cósmico hollywoodiano, mas ambas chegam em visões apocalípticas muito fortes.
28) Belle (Mamoru Hosoda)
Hosada imaginando a bela e a fera para um mundo virtual. Animação incrível e muito emocionalmente generosa.
27) Benedetta (Paul Verhoeven)
Sagrado profano. Sabe-se que Verhoeven é um grande provocador perverso porque no fundo Benedetta não poderia ser um filme mais sincero.
25) The Card Counter (Paul Schrader) e Red Rocket (Sean Baker)
Purgatórios da sociedade americana. Um acético e organizado a parte do mundo, o outro calorosamente pop e jogado nele. Filmes assombrados por uma história inescapável, de uma violência sublimada constante não poderiam ser mais diferentes e complementares.
24) North by Current (Angelo Madsen Minax)
Um filme ensaio sobre os sentimentos complexos que se tem com as próprias origens que permanece notavelmente livre de ideias pré-determinadas e disposto a permitir que o tempo module onde ele vai chegar.
23) In Front of Your Face (Hong Sang-soo)
Hong no seu mais direto e exposto. Aquela risada final vale por muitos filmes.
22) Wife of a Spy (Kiyoshi Kurosawa)
O casamento é como um país em tempo de guerra.
21) Capitu e o Capítulo (Júlio Bressane)
Capitu e o Capítulo se propõe menos como uma adaptação do que como uma leitura, um desejo de buscar no cinema formas de tratar a escrita machadiana. Muito por isso, mais do que qualquer outro dos seus filmes digitais recentes, é um trabalho de montagem, cujos sentidos se dão menos na força dos momentos individuais, mas na articulação entre eles.
20) A Crônica Francesa (Wes Anderson)
Figuras criativas imaginando mundos alternativos para se escapar. A utopia de Anderson e um filme sobre si mesmo. Não é sobre o The New Yorker, mas sobre o último suspiro de um cinema de autor idiossincrático americano feito com recursos industriais. É também um filme animado pelo amor de Anderson a atores e tudo que cada um deles lhe oferece de volta.
19) Encontros (Hong Sang-soo)
Um filme de buracos tão grandes quanto os abismos geracionais que ele cobre. Um filme assombrado por como se interpreta estes papéis determinados e tudo que fica não-dito entre eles.
18) Procession (Robert Greene)
Robert Greene é um artista passional que gosta de dividir seus filmes com as pessoas para quem dá voz e um teórico de cinema. Não são posições fáceis de se reconciliar e o poder de Procession, feito com um grupo de homens de meia idade que foram abusados por padres, é como se trata de um filme muito direto sobre as experiências deles e uma série de anotações sobre como o cinema pode dar conta delas.
17) Madres Paralelas (Pedro Almodovar)
Kleber Mendonça Filho comparou o filme ao Lone Star do John Sayles e desde então eu penso nisso, a princípio não podiam ser filmes mais distantes, mas ambos se lançam ao mesmo processo de repensar tradições ficcionais caras ao seu país de forma a melhor acessar suas histórias de violência.
16) The Works and Days (of Tayoko Shiojiri in the Shiotani Basin) (C.W. Winter, Anders Edström)
Terra e ficção. Um filme híbrido de 8 horas sobre uma fazendeira japonesa reimaginando o último ano de vida do marido dela e o que tão tocante é como as partes díspares se adicionam uns aos outros.
15) Minamata Mandala (Kazuo Hara)
Rostos envelhecidos, mas que seguem. O cinema é algo incrível porque permite sempre que cada um destes rostos exista por eles mesmos e não sejam reduzidos ao papel simbólico que o texto cerimonial da sociedade prefere impor a eles.
14) O Monopólio da Violência (David Dufresne)
Sobre o estado burguês moderno pós-revolução francesa e o estado policial que o sustenta. Um filme ensaio mais interessado numa série de gestos e o que eles revelam. O Monopólio da Violência tem muito a dizer sobre brutalidade policial, seus usos políticos e os desejos de lei e ordem que o animam e mantêm.
13) Memória (Apichatpong Weerasethakul)
A transferência de uma construção sônica por todo um espaço cênico. Como imaginação não acho tão impressionante q8uanto os primeiros filmes dele, mas como puro controle formal acho que ele não faz algo tão forte desde que o rapaz teve seu encontro na floresta no Mal dos Trópicos.
12) Roda do Destino (Ryusuke Hamaguchi)
Auto ficções navegam narrativas bastante estritas, mas tem sempre aquele momento para ponderar os papéis interpretados e escolhas feitas. A estrutura de de três episódios, os ecos entre eles e a construção narrativa deliberadas deles apontam numa concepção fechada e ai a abordagem de atores e cenários abre as coisas de novo. Alem disso, Katsuki Mori lendo a passagem erótica do romance do professor pode ser a cena do ano.
11) From Bakersfield to Mojave (James Benning)
A conquista do oeste dá lugar ao amargor da paisagem pós industrial da Califórnia do Benning. Um filme de movimento e descoberta, um dos planos de trem é especialmente maravilhoso no que ele revela a escolha perfeita de posição de câmera, que é também de um esvaziamento completo do lugar. A ilusão do cinema e seu oposto.
10) What Do We See When We Look at the Sky? (Alexandre Koberidze)
Se entregas para o maravilhamento do cinema. Tudo é possível até o Messi ganhar a Copa do Mundo. Um filme romântico que tenta abraçar tudo e todos, talvez nem todas as partes funcionem tão bem quanto outras, mas o gesto é mais poderoso e generoso. Um filme que me deixa feliz.
9) La Nature (Artavazd Peleshian)
Artavazd Peleshian não filmava desde 1993 e do nada reapareceu com esta coleção de imagens espetaculares de desastre ecológico. A civilização desapareceu diante de uma natureza em revolta. A insignificância do homem diante de um diário do fim do mundo. A terra, o ar, a água todos tremem.
8) Sr. Bachmann e seus Alunos (Maria Speth)
Um dos grandes filmes já feitos sobre pedagogia. Ele não é sobre os estudantes ou mesmo Bachmann, mas sobre a sala de aula e as trocas possíveis quando as partes têm a chance de encontrar o tom certo para conversa para além da posição mais limitada da escola.
7) Cry Macho (Clint Eastwood)
Clint Eastwood chorou e se despediu reafirmando as coisas mais importantes da vida num neofaroeste pastoral surpreende pelas maneiras que ela existe bem a parte do cinema hollywoodiano enquanto segue informado por toda uma história dele.
6) Annette (Leos Carax)
Encontrando os sentimentos genuínos possíveis na sociedade do espetáculo.
5) France (Bruno Dumont)
É raro um filme passar por uma valorização tão rápida quanto France, que foi avacalhado pelas plateias de Cannes seis meses atrás e segue aparecendo em listas de melhores do ano. Faz um certo sentido quando consideramos que France é um filme sobre o manufaturar das imagens, como elas são feitas, projetadas e assistidas. É sobretudo um filme sobre a imagem da Lea Seydoux, seu rosto é contemplado e levado a exprimir cada emoção possível (entre muitas outras coisas trata-se de uma comédia sobre assistir Lea Seydoux chorar) enquanto o filme se desdobra a sua celebridade fora de cena. O texto é uma sátira midiática, mas France sabe que não existe diferença entre jornalismo televisivo vagabundo e cinema de autor aprovado por Cannes, o efeito das imagens mercantilizadas é o mesmo e não há como escapar-lo. Dumont trabalha para apagar qualquer distância e conforto possível.
4) Hold Me Back (Akiko Ohku)
O único motivo que não estou pronto para dizer que Seydoux tem a atuação do ano em France é porque a comediante japonesa Non está igualmente boa em Hold me Back como uma mulher de 3 anos tendo um ataque de ansiedade que dura o filme inteiro quando percebe que um cara legal está realmente interessado nela. Um triângulo romântico cuja terceira parte é uma voz off interna, este é um filme frequentemente hilário e assustador e tão bom e perceptivo sobre solidão e ansiedade contemporâneos. A diretora Akiko Ohku segue fazendo filmes maravilhosamente verdadeiros mesmo que ela trabalhe num registro que não poderia ser mais fora de moda.
3) Zeros e Uns (Abel Ferrara)
Se Ferrara fez o primeiro filme do século XXI com New Rose Hotel esta espécie de sequência temática escondida fecha as pontas de uma década dedicada a apocalipses literais e pessoais. É Ferrara e o fotógrafo Sean Price Williams encontrando as mais diversas texturas de uma noite eterna de Roma em quarentena. Cada imagem preciosa e pronta a se desfazer e ao mesmo tempo que de uma força táctil. É um relatório audiovisual sobre a comunidade europeia como um estado policial fracassado como um grande delírio conspiratório mediado por uma concepção geral de cinema, que inclui reconhecer o seu próprio papel marginal num grande mercado de imagens e da relação dionisíaca de repulsa e entrega de Abel Ferrara para com o mundo.
2) Drive My Car (Ryusuke Hamaguchi)
Eu creio que todo ano tem aquele filme que toda a cinefilia concorda e como eu vi a foto do Hidetoshi Nishijima e aquele carro vermelho em quase todas as listas que eu encontro, Drive my Car parece ser o deste ano, nada mal para um filme japonês de 3 horas sobre perda e Tchekhov. Parte do apelo eu acho é que este é um filme sobre usar formas de ficção compartilhadas para encontrar uma verdade emocional e isto é claro algo muito sedutor para cinéfilos. Existem dois tipos de palco que permanecem centrais para ele, o literal no teatro e o carro, ambos servem para trabalhar toda aquela bagagem emocional e aproximar as pessoas através dela e o controle de Hamaguchi da interação entre elas é notável. Tem claro também Hiroshima como o cenário central e todas as associações que ela traz consigo. Tem ainda aquela ideia poderosa do carro como este lugar de experiência compartilhada que também serve para posicionar todo aquele drama pessoal nas pistas que ele atravessa. E Hamaguchi, Nishijima e Toko Miura fazem maravilhas com a forma como o diretor e a motorista o seguem.
1) Limbo (Soi Cheang)
Um filme de espaço sobre construir um ambiente feito de todas as partes esquecidas pela sociedade local para melhor dar conta do que ela tem de doente. Um filme de literal lixo a céu aberto transformado pelo cinema em algo enorme, de emoções violentas e exploradoras que se consomem. Quanto mais irreal as suas imagens carregadas de peso alegórico, mais crível se torna. Soi Cheang fez pela primeira vez um filme sobre Hong Kong como uma cidade esquecida de lixo com Diamond Hill 21 anos atrás e ele segue depurando esta visão de uma maneira ou outra neste meio tempo. Da estética do lixo um monumento contra o esquecimento.
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