
Amazing Grace
(English version here)
Os critérios da lista são os mesmos de sempre filmes vistos ao longo de 2019 cuja primeira exibição pública aconteceu nos últimos três anos. A ordem não significa grande coisa um filme no #37 é um filme que eu gostei mais do que o #57, mas não necessariamente menos que 0 #34 ou mais que o #40. Para além de todos esses, vale muito destacar Amazing Grace a missa gospel da Aretha Franklin que Sydney Pollack filmou em 1972 mas só foi montado agora. Não achei que caberia na lista mas é um espetáculo para bem além de um filme concerto. Uma questão de fé.

Above the Rain
O melhor curta que vi este ano foi Above the Rain do Ken Jacobs seguido de perto pelo A Leaf is the Sea is a Theater do Jonathan Schwartz. Alguns outros destaques: ________ (Kyle Faulkner), The Fountains of Paris (Stephen Broomer), The Marshall’s Two Executions (Radu Jude), Music from the Edge of the Allegheny Plateau (Kevin Jerome Everson), Shakti (Martin Rejtman), Two Basilicas (Heinz Emigholz), Vever (for Barbara) (Deborah Stratman), X-Manas (Clarissa Ribeiro). E também 1986 Summer (Toshio Matsumoto) exibido pela primeira vez recentemente.
100) Segunda Vez (Dora Garcia)
A história (no caso da Argentina, mas também a latino-americana e do terceiro mundo como um todo) como uma série de ecos. O trabalho de montagem de Garcia aqui é excepcional.
99) L’Empereur de Paris (Jean-François Richet)
De longe melhor filme de super-herói do ano. Mais bem resolvido dos filmes de indústria do Richet e a recriação de Paris de Napoleão é ótima.
98) In Like Flynn (Russell Mulcahy)
Poucos depois de se tornar famoso Errol Flynn escreveu uma autobiografia sobre seus tempos de marinheiro na Australia com a clara intenção de misturar vida e imagem e essa adaptação de Mulcahy toma a deixa de Flynn num filme que parece sair de qualquer década de cinema menos essa. Mulcahy segue um dos melhores estilistas do mainstream.
97) Casa (Leticia Simões)
Intimo, mas com uma visão panorâmica. Partindo do retrato da história familiar Simões consegue traçar uma história de Brasil dos últimos anos da escravidão até o lulismo. A mãe é uma das melhores personagens do cinema brasileiro recente e o filme tem uma potencia nos conflitos entre as três personagens que nossas ficções recentes raramente alcançam.
96) Varda por Agnes/Varda par Agnés (Agnés Varda, Didier Rouget)
Varda sai de cena. Como boa parte da última parte da obra de Varda é um filme que parte dela mesma até chegar ao mundo. Você começa pensando, “mas ela já fez As Praias de Agnes” e na altura das cenas finais pensa, “mas ainda bem que ela fez este também”.
95) Bisbee ’17 (Robert Greene)
Das possibilidades de um imaginário de resistência nos EUA hoje. Como reflexão sobre como a mitologia americana depende do apaziguamento de uma história de violência é quase Fordiano (se Ford tivesse passado pela academia).
94) Meu Nome é Dolemite/Dolemite is My Name (Craig Brewer)
Eddie Murphy dando corpo a todo uma tradição de comédia negra americana. Lembra muito o Baadasssss do Mario Van Peebles.
93) La Ciudad Oculta (Victor Moreno)
Os subterrâneos de Madrid e as muitas vidas dentro deles retratados com grande imaginação por Moreno.
92) Bimi Shu Ykaya (Isaka Huni Kuin, Siã Huni Kuin, Zezinho Yube)
Duas tensões de poder, a do patriarcado afetado pela ascensão da avó dos cineastas ao comando da tribo e a da presença da câmera de cinema, muito bem costurada pelo trio de realizadores.
91) Black Mother (Khalik Allah)
História e resistência escritas nas imagens a partir de um retorno a Jamaica natal da mãe do cineasta. Outro filme bem forte sobre herança colonial.
90) Master Z: Ip Man Legacy (Yuen Woo-ping)
Um spin-off da popular série Ip Man que é melhor que a maioria dos filmes da mesma. Yuen Woo-ping nas últimas décadas filmou pouco e de forma irregular se concentrando no trabalho de coreografo, mas ele recupera aqui a energia e criatividade dos seus filmes feitos entre 1978-1994. Ótimas cenas de ação reforçados por um elenco bem acima da média (Zhang Jin, Michelle Yeoh, Dave Bautista).
89) Morto Não Fala (Dennison Ramalho)
Periferia brasileira, uma história de violência, Conto de danação muito bem imaginado por Ramalho que confirma aqui a promessa dos seus curtas numa costura de violência inerente ao horror com observação sobre a vida brasileira.
88) Triple Threat (Jesse V. Johnson)
Para quem tem prazer em artes marciais e coreografia, Triple Threat tem alguns dos melhores performers do mundo (Iko Uwais, Tony Jaa, Tiger Chen, Scott Adkins, Michael Jai White) a partir de um conflito tênue Oriente/Ocidente encenado por Johnson que tem um dos melhores olhos para corpos em movimento da atualidade.
87) High Life (Claire Denis)
Um filme menor da Claire Denis (acho que se ressente bastante da ausência da Agnes Godard na fotografia), mas todo o material entre Robert Pattisson e a filha é excelente e como um ensaio visual sobre liberdade e vida tem momentos bem fortes.
86) Chang—ok’s Letter (Shunji Iwai)
Shnji Iwai segue um mestre do drama epistolar. Cng-ok’s Letter é uma série de quatro curtas sobre rituais familiares e os esforças da esposa em dar conta deles. Melhor do que qualquer drama familiar recente do Koreeda.
85) Cassandro, the Exotico! (Marie Losier)
Losier domina como poucos a arte do filme retrato e sabe dar aos personagens que filme uma grande expressão política. O encontro aqui entre Cassandro e a câmera da diretora e as maneiras como ele apaga o espaço entre performance e viver de maneira política não poderia ser mais potente.
84) Medo Profundo: O Segundo Ataque/47 Meters Down: Uncaged (Johannes Roberts)
Roberts é um bom artesão de gênero, mas este é um inesperado filme experimental. Va ver um filme de tubarão, fique pelo estudo com texturas de luz e movimento debaixo d’agua.
83) Diga a Ela Que Me Viu Chorar (Maíra Bühler)
Documentário de grande concentração dramática e de um desespero muito particular. É um filme observacional, mas também uma história de apagamento. Nisso Buhler de estar no lugar certo na hora certa seu fillme tem um peso simbólico muito forte no Brasil hoje.
82) Polizeiruf 110: Tatorte (Christian Petzold)
Já faz alguns anos que Christian Petzold vem contribuindo com telefilmes para a série alemã Polizeiruf 110. É uma oportunidade dele imaginar um mundo alternativo no qual ele fez longa carreira como diretor de filmes B. Este Tatorte é o melhor até agora, um conto simples de intimidades, morte e envelhecimento.
81) The Beach Bum (Harmony Korine)
Korine filmando uma série de duetos relaxados entre Matthew McCounaghey e uma série de convidados especiais (os melhores são provavelmente Snoop Dogg e Martin Lawrence). Experimento que se sustenta na forma como cada momento vive com intensidade.
80) Avengement (Jesse V. Johnson)
Johnson e Scott Adkins são o melhor par do filme de ação de baixo orçamento dos últimos anos, formam uma dupla bem particular o ex-duble com gosto por histórias de submundo e a figura taciturna atlética que sabe como poucos vender um gesto violento em movimento. Avengement provavelmente o que melhor equilibra os interesses dos dois, a coreografia é menos vistosa que em Triple Threat, mas a ação se encaixa perfeitamente ao seu mundo violento. É como um filme dos Dardenne, mas no lugar de personagem hiper-focado na sua redenção cristã vemos um bruto descendo ao inferno enquanto quebra a cara de cada um que cruza o seu caminho.
79) No Coração do Mundo (Gabriel Martins, Maurilio Martins)
O nome da produtora mineira Filmes de Plastico sempre me divertiu muito pois desde os primeiros curtas ninguém faz filmes menos de plástico por aqui. O olhar atento para a vida na Contagem natal deles sempre chamou a atenção, mas No Coração do Mundo mais do que qualquer outro deles explcita como os move é sobretudo um desejo pela ficção e Gabriel e Maurilio fazem aqui todo um reclamar de um imaginário.
78) Não Pense que Eu Vou Gritar/Ne Croyez Surtout Pas Que Je Hurle (Frank Beauvais)
Sobre desejo, ansiedade e viver no mundo nesta última década através do gesto de desaparecer em filmes. Há muita coisa que se pode destacar no trabalho de Beauvais, mas a forma como a montagem abstrai os cerca de 400 filmes usados tem algo muito forte e verdadeiro sobre a experiência de ver filmes em algum lugar entre Robert Bresson e Michael Bay.
77) Nós/Us (Jordan Peele)
É um thriller melhor do que Corra, se por vezes limitado por um caso típico de ansiedade de segundo filme. Peele é mais livre e hábil como cineasta apesar da livre-associações por vezes sobrecarregarem o filme. Nos primeiros dois terços em especial a maneira como ele casa as mecânicas de gênero com o mal-estar social é muito forte e nunca falta criatividade para explorar os seus duplos.
76) O Clube dos Canibais (Guto Parente)
Outro filme de terror social que sabe usar bem a abrasividade simbólica natural do gênero. Uma sátira grotesca mais eficaz quanto mais óbvia a sua imagem central se torna.
75) Jeanne (Bruno Dumont)
Espécie de complemento e reverso da opereta heavy metal que Dumont fizera sobre a a infância de Joana D’Arc alguns anos atrás. Bem mais convencional que o filme anterior, mas ainda assim excêntrico o suficiente para expulsar muita gente na minha sessão. Uma comédia sobre a coreografia e percepções de poder.
74) Amanhã e Todos os Outros Dias/Demain et Tous les Autres Jours (Noémie Lvovsky)
Do gesto de ver e chegar ao mundo. Lvovsky se lança com força nas possibilidades do imaginário infantil e encontra nele uma inquietude muito própria.
73) John Wick 3: Parabellum (Chad Stahelski)
Se perde as vezes na própria mitologia, mas Reeves e Stahelski seguem cominando para melhor ação barroca do cinema americano contemporâneo.
72) Dare to Stop Us (Kazuya Shiraishi)
Shiraishi foi assistente de Koji Wakamatsu no final da vida dele e aqui o usa como porta de entrada para imaginar a contracultura japonesa no fim dos anos 60, começo dos 70. Tenho minhas dúvidas se um filme que dedica um bloco de ação para PLFP/Red Army – Declaration of War possa ser feito por alguém que não partilha a visão de mundo radical de Wakamatsu, mas imersão que Shiraishi consegue tem muita força e o filme também tem muito a dizer sobre as concessões que mulheres fazem para circular em ambientes machistas como o de cinema.
70) A Bread Factory Part One: For the Sake of Gold e A Bread Factory Part Two: Walk With Me a While (Patrick Wang)
Um dos experimentos mais ambiciosos do cinema americano recente. Com um universo amplo muito bem imaginado e uma serie de ideias sobre arte e comunidade enquanto costura uma vida pública como constante performance. São dois filmes individuais de duas horas em diálogo continuo um com o outro.
69) Mirai (Mamoru Hosada)
Crescer como uma série de negociações em meio a um mundo inóspito. Hosada permanece um dos mestres da animação contemporânea e a combinação de imaginação e dor para a infância é bem forte. Faz uma boa sessão dupla com o filme da Lvovsky.
68) Corsario (Raúl Perrone)
O fantasma de Pasolini faz uma visita a Ituzaingó natal de Perrone. Um delírio amável sobre filmar e ser mediado pela paixão de Perrone pelo cineasta italiano.
67) Paul Sanchez Est Revenu! (Patricia Mazuy)
Uma caçada humana como comédia de comportamento. É um filme bem dentro de uma certa tradição de cinema de gênero francês calcado num desejo pelo imaginário, mas que tem uma consciência muito grande sobre as construções mitológicas inerentes a ele.
66) We Make Antiques! (Masaharu Take)
Sobre tradição e artesanato, seu valor e seu ridículo. Algo que me incomoda muito na cinefilia estabelecida de hoje é a dificuldade de olhar para um cinema de gênero que não chega naturalmente pela indústria cultural dominante, perdemos muito de imaginário popular ao não fazer mais esta troca. Isto tudo para dizer que esta terna e divertidíssima comédia de golpes do mundo de antiquários japoneses nunca passaria em nenhum festival ocidental ou apareceria no circuito daqui e somos mais pobres por conta disso.
65) Tonsler Park (Kevin Jerome Everson)
O mito da democracia Americana em ação. Everson aposta numa contra imagem, estamos num documentário Wisemaniano sobre uma sessão eleitoral de uma vizinhança negra americano e constantemente assombrados pelo espectro da supressão de votos. É um filme sobre todos os rostos que vemos e todos aqueles que não vemos.
64) Eu não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros (Radu Jude)
Humor amargo sobre amnésia histórica e suas consequência. Que seja sobre a Romênia, mas ao mesmo tempo tão universal reforça o seu desespero.
63) Alita: Anjo de Combate/Alita: Battle Angel (Robert Rodriguez)
Sobre como os olhos da Rosa Salazar encontram uma verdade num mundo completamente artificial. Rodriguez e James Cameron é um casamento muito bem-sucedido de sensibilidades fascinadas pelas possibilidades do digital.
62) Night is Short, Walk on Girl (Masaaki Yuasa)
As descobertas da noite romântica imaginadas pela liberdade da animação.
61) Floresta de Sangue (Sion Sono)
Sion Sono roubou dinheiro do Netflix e jogou todas as suas obsessões em 150 minutos que são absolutamente tudo de maravilhoso e ruim que o cinema dele tem combinados.
60) Film Catastrophe (Paul Grivas)
Do making off de um filme de Godard chegamos numa arqueologia de uma Europa neoliberal frente a uma história que desaparece.
59) Pig (Mani Haghighi)
Uma comédia de serial killer absurda sobre viver e criar num estado autoritário.
58) The Great Pretender (Nathan Silver)
Uma comédia de espelhos sobre teatro e vida, um pouco como se Rivette fosse tomado por um pragmatismo americano, o que faz sentido num filme que é também sobre o desarranjo entre França e EUA.
57) Atlantique (Mati Diop)
Parte romance gótico, parte filme de fantasmas sobre corpos assombrados pelo capital. É um filme que existe no espaço entre habitar na superfície da textura das imagens e uma busca por conexões que colocam a primazia de volta ao corpo. Atlantique é sobre a materialidade em suas muitas formas.
56) Contes de Juillet (Guillaume Brac)
Dois pequenos curtas de verão. Vinhetas da juventude francesa sob um olhar cuidadoso que reconhece a urgência dos corpos, mas não sabe o significado de urgência narrativa. A morosidade do verão, ter todo o tempo do mundo, mas estar intenso em cada instante.
55) The Brink (Jonathan Li)
Soi Cheang produziu este neonoir chinês que lembra muito os filmes de ação niilistas que ele fez na segunda metade da década passada. Algumas cenas de ação excelentes.
54) A Noite Amarela (Ramon Porto Mota)
Eu escrevi sobre este slasher espiritual do Ramon Porto Mota duas vezes, aqui e na Cinética e não sei se teria muito mais o que dizer, mas é meio Khouri, meio Linklater e tem muito a dizer sobre as incertezas da juventude no Brasil hoje.
53) Ruins Rider (Pierre-Luc Vaillancourt)
Espaço táctil transposto para textura da imagem na era digital.
52) Bem-vindos a Marwen/Welcome to Marwen (Robert Zemeckis)
O artista está nu sozinho com seu imaginário belo e terrível. Um filme doente e doido que nenhuma quantidade de maquinário Hollywodiano é capaz de apagar porque ela é parte das vísceras aqui expostas.
51) O Leão Dorme esta Noite/Le Lion Est Mort ce Soir (Nobuhiro Sawa)
Nobuhiro Suwa colocando Jean-Pierre Leaud para contracenar com crianças enquanto elas brincam de fazer um filme e eu sou fraco demais para resistir a isso.
50) Chasing Dream (Johnnie To)
Do genuíno num mundo de falsidades. Um melodrama musical que é um triunfo do To estilista se não necessariamente do To autor.
49) Hidden Man (Jiang Wen)
Um dos exercícios antropofágicos do Tsui Hark nos anos 80 atualizado para o cinema oficial chinês do século XXI. Forma com Let the Bullets Fly e Gone with the Bullets, uma espécie de trilogia livre de panoramas históricos picarescos da China dos anos 30 que partem de gêneros ocidentais para imaginar as contrarrevoluções de um submundo corrupto. Em todos eles o que me interessa mais é a forma com Jiang Wen casa a liberdade da ação com o prazer de realização.
48) Vidro/Glass (M. Night Shyamalan)
Me fascina como os filmes tardios do Shyamalan buscam sempre um disfarce para suas obsessões estéticas como se ele soubesse que só consegue torna-los aceitáveis pelo viés da camuflagem, este aqui é “um filme do sr. Glass”. Como todos os filmes do diretor é um estudo sobre a crença na ficção que aqui se desdobra numa dissecção sobre como o maquinário Hollywoodiano vende a figura do herói. Dá uma boa sessão dupla com o filme do Zemeckis e vale notar que eles foram tratados como risíveis pelos mesmos críticos.
47) Marfa Girl 2 (Larry Clark)
O mundo do cinema deixou Larry Clark para trás e ele reduziu seu cinema ao mínimo e essencial: corpo, câmera e a distância entre eles.
46) Domino (Brian De Palma)
No meio deste último filme do De Palma existe um ataque terrorista a um festival de cinema filmado como vídeo de You Tube e como o leitor reage a esta descrição provavelmente diz muito sobre se o filme é ou não para ele.
45) Retrato de uma Jovem em Chamas/Portrait de la Jeune Fille en Feu (Céline Sciamma)
Sobre o olhar que ama. Existir num momento e o que fica para trás registrado numa imagem. A câmera de Sciamma a filmar o sorriso de Adele Haenel e o olhar de Noémie Merlant. De encontrar uma imagem justo e durável do desejo.
44) The World is Full of Secrets (Graham Swon)
Um grupo de adolescentes contando histórias de terror em close-ups Sternbergianos.
43) Auto de Resistência (Natasha Neri, Lula Carvalho)
O autoritarismo genocida brasileiro a partir do retrato do funcionamento das nossas leis.
41) Fatal Pulse (Damon Packard) e O Irlandês/The Irishman (Martin Scorsese)
Duas mitologias complementares do século XX americano pelo viés do seu imaginário cinematográfico. Dois filmes experimentais, um feito com uns 100 dolares, outro com uns 100 milhões. O filme de Packard cobre justamente o período que o de Scorsese elide. Histórias violentas sobre poder.
40) Better Days (Derek Tsang)
Melodrama adolescente como peça política. O encontro entre a emoção exacerbada do romance jovem com o peso do estado policial. Tsang e seus dois atores principais sugerem com tanta força todo um sentimento de abandono.
39) Quando Margot Encontra Margot/La Belle et la Belle (Sophie Fillieres)
Se Raul Ruiz refilmasse Vertigo como uma comédia romântica francesa. Do duplo ao auto reconhecimento, de uma ideia forte da ficção contida naquelas histórias compartilhadas. A direção da Fillieres é de um controle saboroso e as duas atrizes são ótimas, principalmente Kiberlain que deve ter o melhor timing de planos de ração cômicos do cinema.
38) Mais Uma Chance/Private Life (Tamara Jenkins)
Ao mesmo duro e muito próximo dos seus personagens e com um olho muito bom para relações de poder e responsabilidade.
37) Streetscapes [Dialogue] (Heinz Emigholz)
O quarteto Streetscapes que Emigholz lançou em 2017 move os estudos de arquitetura da sua série Photography & Beyond para colocar os prédios que visita em choque com algum elemento externo, no caso uma dramatização da terapia do diretor. Não se trata de um filme egocêntrico, mas quase seu oposto, um reconhecimento de que quando visitamos um espaço trazemos conosco toda uma série de experiências.
36) Projeto Gemini/Gemini Man (Ang Lee)
Ang Lee partindo de um filme de ação genérico dos anos 90 para encontrar toda uma reflexão sobre o visível na imagem cinematográfica contemporânea. E as cenas de ação são ótimas sobretudo aquela perseguição de moto.
35) A Home with a View (Herman Yau)
Um pesadelo cômico sobre a crise habitacional de Hong Kong.
34) Cadê Você, Bernadette?/Where’d You Go, Bernadette? (Richard Linklater)
Ao mesmo tempo excêntrico e convencional, com um ritmo bem particular e uma atuação inspirada da Cate Blanchett. Boa parte da graça está no encontro no bom olho do Linklater com o sentimentalismo hollywoodiano da trama que não poderiam ser mais distantes, mas casam muito bem.
33) Depraved (Larry Fessenden)
Larry Fessenden atualizando Frankenstein para uma civilização em fim dos tempos. Muito hábil na forma como repensa o mito de Shelley (só por ser um filme que consegue usa-lo evitando o lado anti-ciência dele já chamaria atenção) para um estagio novo da revolução industrial corporativa. A sequencia que a criatura visita o museu é uma das melhores do ano.
32) Dor e Glória/Dolor y Gloria (Pedro Almodóvar)
Bem mais dor do que glória. Um filme sobre chegar exausto no final da vida. Banderas poucas vezes tão bem em cena, aquele momento que o Leonardo Sbaraglia o visita é algo especial.
31) Heimat é um Espaço no Tempo (Thomas Heisse)
A história alemã do século XX revista pela história familiar de Heisse sobre posta a uma série de elementos materiais e a paisagem alemã que a carrega. Tem poucas coisas mais assustadoras no cinema de 2019 do que todo o bloco de ação que acompanha o crescimento do anti semitismo pelas cartas do arquivo da família do realizador.
30) O Olho e a Faca (Paulo Sacramento)
A reimaginação possível do Filme Demência do Reichenbach para o Brasil de hoje. Tem mais a dizer sobre o bolsonarismo do que qualquer um dos filmes que foram discutidos sobre essa lógica.
29) Parasita (Bong Joon-ho)
Menos um thriller cômico sobre luta de classes do que um reconhecimento sobre um abismo intransponível e todo o aparato inclusive cinematográfico que o sustenta. Que exista num completo impasse é seu limite e muito da força que ele tem como exposição de um mal-estar geral.
28) O Projecionista/The Projectionist (Abel Ferrara)
Sobre como os lugares que visitamos e nosso imaginário foi gentrificado.
27) Technoboss (João Nicolau)
Uma comédia musical sobre um senhor rabugento de 60 anos a cortar Portugal consertando sistema de segurança de hotéis locais. Uma série de vinhetas calcadas numa subjetividade muito particular muito bem imaginadas e me parece um filme mais forte sobre Portugal pós crise europeia do que as 10 horas do Mil e uma Noites do Miguel Gomes.
26) Bacurau (Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho)
A herança da violência colonial é um pais sempre pronto a devorar a si mesmo.
25) Readers (James Benning)
Um dos raros filmes do Benning centrados na figura humana. Quatro planos de cerca de 25 minutos de personagens lendo e todo o inevitável jogo de performance ali contido. O gesto de ler aos poucos ganhando um peso físico. Que o Ecrã trouxe este filme para cá este ano é certamente um dos nossos grandes eventos cinematográficos.
24) Yara (Abbas Fahdel)
Fahdel fez um dos filmes essenciais da década com Homeland: Iraque Ano Zero sua crônica épica da sua família antes e depois da ocupação americana. Yara meio que parte dos mesmos desejos e princípios formais numa vocação ficcional. Um filme sobre local e como se relaciona com ele, uma crônica sobre existir num mundo em desaparecimento.
23) Tremble All You Want (Akiko Ohku)
Uma comédia romântica japonesa sobre uma jovem e as maneiras como seu mundo fantasioso colide com o seu entorno que é muito bem modulada e conta com uma das melhores atuações recentes cortesia da Mayu Matsuoka. Aquela cena final não estaria fora de lugar num filme do Cassavetes.
22) Sibyl (Justine Triet)
Assim como Triet e Virginia Efira fizeram em Victoria, partem das ficções bem delineadas do imaginário francês (no caso o drama psicológico de matriz bergmaniana) para uma série de variações dramáticas de desespero e absurdo crescentes. Conhecer a si mesmo se desdobra em criar mais ficções para buscar escapes das próprias neuroses. Vale para psiquiatria, vale para o cinema.
21) The White Storm 2: Drug Lords (Herman Yau)
A guerra das drogas como uma grande fantasia de poder de pouca consequência além da destruição de corpos não desejáveis. Um filme de ação autodestrutivo que de desmancha diante de nós sufocado pelo próprio texto incoerente. Andy Lau interpreta uma espécie de Bruce Wayne com toda a sociopatia que só o literalismo infantilizado pode ver como positiva. Como um filme que relaciona o capital financeiro, o fascismo atual e violência urbana não há espetáculo recente igual. Entre todos os filmes dessa lista deve ser o mais 2019 inclusive em todas as partes problemáticas.
20) O Lago do Ganso Selvagem (Diao Yi’nan)
Um filme de caçada humana langiano sobre o olhar imperdoável do estado policial chinês. Um sentimento de paranoia e um submundo muito bem imaginado. Como fugir quando mesmo solto nunca se teve liberdade alguma?
19) Fourteen (Dan Sallitt)
Um drama de tempo. Parte de uma questão (como estar sempre presente para alguém que você acredita que precisa de ti) e demonstra como ela reverbera ao longo de uma década. Mas Sallitt se concentra sempre nas reações, nos pequenos momentos entre crises que revelam tudo que se acumulou até ali. É meio que o reverso de Nós Não Envelherecemos Juntos do Pialat, um filme violento com todas as partes violentas no fora de campo.
18) Killing (Shinya Tsukamoto)
Um estudo sobre violência e o corpo estático. Na ficção de samurai só o corpo parado pode conter a violência, mas como se o cinema pede o tempo todo que ele se mova? Tsukamoto após 30 anos lidando com a representação do corpo e violência chega numa reflexão surpreendente dentro das nossas expectativas dele. E nem falei aqui da violência que a câmera na mão dele opera sobre o imaginário samurai.
17) Martin Eden (Pietro Marcello)
O lugar do artista na sociedade industrial do século XX, um conto de auto-aniqualemento. Um filme sobre confrontos violentos a começar pela epopeia do Jack London e a experiência de Marcello com cinema experimental. É o mais italiano filme feito em muito tempo, mas existe numa Itália suspensa no tempo que é todas as décadas da primeira metade do século XX no mínimo numa só. Uma educação sentimental que é contaminada por toda uma série de detritos do século XX italiano que Marcello contrabandeia para dentro do filme. Um dos exercícios mais radicais de 2019.
16) Danses Macabres, Squelettes et Autres Fantaisies (Rita Azevedo Gomes, Pierre Léon, Jean-Louis Schefer)
Amo como as ideias de Schefer são articuladas numa história de cinema.. Um filme muito simples que é a sua própria forma. Ele empresta corpo e ideias ao filme que se completa na maneira com que Gomes e Leon os articulam via imagem e montagem. As transferências históricas proposta e o gesto de cinema se tornam um só.
15) Mademoiselle Vingança/Mademoiselle de Joncquières (Emmanuel Mouret)
Emmanuel Mouret começou a carreira como um comediante herdeiro de Jacques Tati e depois saltou de um tipo de formalismo ao outro como herdeiro da mise en scene clássica francesa agora que Rivette e Resnais não estão mais entre nós. Esta comédia de vingança aristocrática não tem um plano onde a câmera não esteja no lugar exato. É engraçado, mordaz e desesperador. Cecilie de France e e Edouard de Boer iluminados.
14) Monrovia, Indiana (Frederick Wiseman)
De certa forma é um completo ao In Jackson Heights que Wiseman lançou quatro anos atrás ali mergulhávamos no multi culturalismo da grande cidade aqui no sentimento de alienação da pequena comunidade branca. Poderia ser um editorial, mas Wiseman faz cinema naqueles rostos e naqueles espaços um universo tão contraditório de sentimentos. Termina num funeral, amarguíssimo.
13) L’Ile au Tresor (Guillaume Brac)
Curto muito que as cenas com adultos aqui parecem todas tiradas de um filme institucional do Wiseman. O coração do filme são as cenas com crianças brincando e adolescentes passando tempo juntos. Uma não ficção cuidadosamente encenada. Sobre como recuperar os nossos espaços e nossos imaginários. Uma política do lazer. Nada mais essencial.
12) In My Room (Ulrich Köhler)
A comédia mais engraçada do ano sobre a impossibilidade de abandonar a civilização e todas as pequenas fobias que trazemos com ela. É um filme de apocalipse tão opaco que é possível projeta todas nossas ansiedades modernas. Será possível sobreviver ao capitalismo? A resposta é uma risada muito doida,
11) A Mula/The Mule (Clint Eastwood)
Clint Eastwood tomando o manto do fantasma da ficção americana por uma última vez. Filme de reconhecimento e despedida, sobre olhar para um mundo em transformação pela janela do seu carro e lidar com todas as cagadas que se cometeu, pois a experiência não traz sabedoria, mas uma bagagem cada vez maior de recriminações. É um filme companhia para Gran Torino, mas aquela era uma palavra final dele sobre sua imagem cinematográfica e A Mula um último suspiro sobre os limites do seu individualismo libertário.
10) Liz and the Blue Bird (Naoko Yamada)
Melodrama musical como anime. Romance que existe através da música sobre a forma que arte expande nosso imaginario de desejos. A forma como o traço da animação, a história mítica por traz da peça e os números musicais combinam para nos colocar no espaço das duas adolescentes é ótimo. E Yamada também merece muitos pontos pela atenção dela a linguagem corporal. Um filme muito vivido e imersivo, o que é bem incomum numa animação.
9) Dragged Across Concrete (S. Craig Zahler)
Sabe como o Manoel de Oliveira fimou todas as virgulas de Amor de Perdição? Zahler meio que faz isso para algum romance pulp imaginário cujo cada detalhe das longas cenas de vigília em carro até alguns momentos de violência que você preferia que ele não imaginasse ao longo de 160 minutos. Como os outros filmes dele é uma viagem ao inferno com o desejo individualista de prover/proteger levando a uma danação violenta. Zahler é um contador de causos excepcional e sejamos francos o cinema tem muito poucos desse hoje em dia.
8) Jóias Brutas/Uncut Gems (Benny Safdie, Josh Safdie)
Adam Sandler encarando o mito de sisifo do capital moderno como um apostador degenerado que tem a certeza absoluta que está ganhando quando só está avançando o seu desejo de morte. A combinação de sensibilidade pulp, motor narrativo acelerado e todo uma série de elementos de cena autênticos e uso recorrente de não profissionais no elenco de apoio tem um efeito desorientador. Como já foi observado é uma crise de pânico de 125 minutos.
7) Synonymes (Nadav Lapid)
Um desejo de negar por completo a si mesmo. Synonymes é um filme sobre suicídio cultural e sua impossibilidade. Um filme que vai da diáspora judaica para uma Europa cosmopolita inóspita. Synonymes fez mais sucesso que os dois ótimos filmes de Lapid porque a despeito da especificidade do seu ponto de partida o vôo suicida da alienação de Yoav alcança um valor mais universal, é a única vitória do personagem, pode ser impossível fugir da psicose do seu país, mas quem sabe da para representar mais do que ela.
6) Ad Astra (James Gray)
Sobre morrer sozinho num universo tão vasto porem tão escarço.
5) Vitalina Varela (Pedro Costa)
Costa pega o episódio de Vitalina em Cavalo Dinheiro e o expande numa investigação de sombras e fantasmas coloniais. Não tem momento mais emocionante no cinema de 2019 do que quando o céu claro aparece aqui.
4) O Fim da Viagem, o Começo de Tudo (Kiyoshi Kurosawa)
O horror do desconhecido, mas não o sobrenatural como os outros filmes do Kurosawa e sim o de uma terra estranha indecifrável. Vai se de um sentimento de alienação a paranoia a redescoberta com igual desenvoltura. O mundo nunca deixa de ser misterioso, mas Kurosawa filma ele e Atsuko Maeda chegando até ele.
3) Era Uma Vez… em Hollywood/Once Upon a Time… in Hollywood (Quentin Tarantino)
Um filme sobre a economia do imaginário, onde tudo é imagem e tudo é performance e uma negociação constante entre elas. Brad Pitt dirigindo aquele carro de um lado ao outro conectando todos aqueles espaços deve ser a primeira imagem do cinema deste ano que me fica. É sobretudo um filme de sequencias, uma série de momentos preenchidos de gestos, surpresa e vida, existências imaginadas ali a margem da vida sonhada do imaginário oficial americano.
2) A Portuguesa (Rita Azevedo Gomes)
Nunca veremos Portugal, mas é a Portugal que o filme sempre volta. O mar é invocado repetidas vezes em contraste com a paisagem seca do norte italiano. O mar português: as aventuras do conquistador, a promessa de uma renovação, do eterno retorno. A Portuguesa e a portuguesa ambos encenam um deslocamento para dentro, para as entranhas da nobreza que sonha com suas guerras fúteis. Em contraponto, Portugal persiste como volta, saudade e derrota. Um mundo que precisa ser retomado. Se há no cinema português frequentemente um forte sentido de história, aqui ele permanece corroído, nos destroços, como no tableau vivant pós-batalha que mais cedo o filme eternizara.
1) O Traídor/Il Traditore (Marco Bellocchio)
Bellocchio filmando Tomasso Buscetta enquanto ele se colocava a delatar a máfia. São dois filmes em um, de um lado um longo negociar até a morte aquela decidida no dia que se entrou no crime organizado e um julgamento carnavalesco no qual o que está em questão não são os fatos do caso, mas a identidade italiana como um todo. Há só duas verdades na Itália, a igreja católica e a Cosa Nostra. É um filme sobre procedimento legal e gestos de poder como formas de revelar as fragilidades dos mitos fundadores do país. Sobre os anos 80 italianos e o espectro do Berlusconi por vir.
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