James B. Harris

Some Call It Loving (1973)

Some Call It Loving (1973)

Passei a primeira semana do ano revisitando a obra de James B. Harris. São apenas cinco filmes ao longo de cerca de trinta anos e ele é mais conhecido não por eles, mas por ser sócio-produtor de Stanley Kubrick na década de 50. Os filmes de Harris têm um ritmo bem peculiar e uma tendência a combinar uma atmosfera artificial com detalhes realistas que os torna bem únicos mesmo quando suas sinopses sugerem serem mais convencionais. A única exceção é seu filme de estreia The Bedford Incident, único que Harris não escreveu, um filme de paranoia da Guerra Fria notável basicamente por contar com uma das melhores atuações de Richard Widmark. As muitas tentativas posteriores de levar Capitão Ahab para situações militaristas contemporâneas devem muito a ele (Maré Vermelha do Tony Scott, em particular) e aqueles que preferem ver a carreira de Harris como uma nota do rodapé a de Kubrick podem imagina-lo como uma espécie de resposta a Dr. Fantástico (a parceria acabou supostamente porque Harris não gostou da ideia de tratar Dr. Fantástico como uma comédia), mas o filme é um tanto limitado pela falta de elementos marcantes no entorno de Widmark, é um mundo extremamente estreito definido exclusivamente pela obsessão do protagonista.

A reputação de Harris se sustenta hoje sobretudo nas costas do seu segundo longa Some Call It Loving (1973), apesar de paradoxalmente ser também seu filme mais difícil de achar. Trata-se de uma espécie de versão erótica da Bela Adormecida com um musico de jazz (interpretado para tornar as coisas a posterior ainda mais esquisitas pelo futuro rei do softcore Zalman King) que vive numa mansão assistindo uma serie de jogos sexuais de suas duas namoradas e compra uma bela adormecida, leva-a para casa e a acorda. É um filme inclassificável – chamei-o de erótico, mas é bom dizer que aparte uma importante sequencia de striptease próximo ao final, ele é bastante casto, ao sonhador a ideia será sempre muito mais sedutora  do que o ato, mesmo que sua atmosfera constantemente sugira que algo pervertido acontece no fora de quadro. Parte do que torna Some Call It Loving ao mesmo tempo encantador e perturbador é a maneira como ele varia de tons de forma consistente e desprovida de julgamentos, variando sem grandes alterações de uma dança romântica ao som da versão de Nat King Cole para The Very Thought of You convive lado a lado com preliminares lésbicas de duas freiras.  Há uma subtrama envolvendo o melhor amigo drogado do protagonista (um excelente Richard Pryor), que não deixa de ser outro tipo de sonhador, que é tão crua que assombra todo o resto da ação.  Harris é fascinado pelo díptico inocência/perversão e ele se aproxima da sua bela de forma que quanto menos ela faça, mais sedutora se torna, ela nunca cumpresua função fetche tão bem quando enquanto dorme. King interpreta um voyeur, mas um cujo fascínio se localiza na imaginação e não no olhar. Mais do que qualquer outro filme, Some Call It Loving traz a mente Peeping Tom do Michael Powell, outra fabula perversa sobre o apelo sedutor do cinema.

Some Call It Loving teve a carreira típica dos filmes malditos – algum sucesso cult na Europa, carreira invisível fora de lá – e Harris passou quase uma década sem filmar. Seus três últimos longas Fast-Walking (1982), Cop (1988) e Boiling Point (1993), são todos filmes policiais médios cujas tramas banais escondem filmes muito idiossincráticos de pouco urgência narrativa, mas com um grande prazer em deixar se perder na textura dos seu mundos. Este paradoxo é levado ao limite em Boiling Point que é quase o oposto de The Bedford Incident: um filme sem centro, mas cheio de elementos interessantes na periferia. Uma galeria de atores veteranos (Dennis Hopper, Seymour Cassel, Paul Gleason, Jonathan Banks) interpretando criminosos desesperados a beira da exaustão que exceto pelo ex-presidiario de Hopper com a certeza de que vão todos perder no fim. Boiling Point deve ser um dos nomes mais inadequados já dados a um filme, Harris estrutura-o menos como uma série de movimentos progressivos, mas como uma série de rimas visuais sobre a velha ideia da proximidade entre policiais e criminosos, os ocasionais momentos de violência são rápidos e abruptos e tom geral é um misto de nostalgia e resignação. Um policial fatalista da década de 50 travestido de filme de ação do começo dos anos 90.

Os dois filmes de Harris dá década de 80, Fast-Walking e Cop, são ambos veículos para James Woods que merecem ser bem mais conhecidos. Fast-Walking é um filme de prisão, com uma trama conspiratória muito elaborada com diferentes grupos tentando usar um guarda para tirar ou assassinar um dos presos, mas é mesmo um estudo de personagem preocupado em como Woods reage à ação. Seu tom está muito próximo de uma comedia excêntrica de personagens do que de um típico filme de prisão reforçado pelo coro de characters actors incentivados a aumentar o tom por Harris (incluindo uma das últimas atuações do Timothy Carey).  Acompanhamos um sistema fechado, entendemos como ele funciona e depois observamos as diversas maneiras em que sai dos eixos. É um dos tratamentos mais diretos de Harris da sua obsessão com a ideia de inocência.

Cop é ainda melhor. Espécie de Dirty Harry sem filtro com Woods como um policial demente caçando um serial killer. Harris e Woods sabem que fazem um filme sobre uma figura de autoridade violenta e potencialmente desequilibrada, mas no lugar de buscarem a distancia habitual de filmes do tipo se aproximação mais do ponto de vista. O filme é baseado num dos primeiros livros do James Ellroy, Sangue na Lua, que é tão violento que ameaça abandonar o gênero policial pelo horror (John Carpenter esteve conectado a produção antes de Harris) e o diretor parece encarar a adaptação menos como uma questão de manter a linha narrativa e mais incluir o maior numero possível de detalhes grotescos do original (é, de certo, o filme que mais se aproximou do espirito do texto de Ellroy e deve-se dizer que o único crédito de Harris desde Boiling Point foi como produtor executivo de Dália Negra). Uma boa parte do filme consiste em Woods sozinho no quadro, pensando, trabalhando. Cop é grosso, econômico, direto ao ponto culminando num final memorável na sua falta de sutileza, incluindo um dos créditos silenciosos mais incômodos que conheço. Harris dirigiu pouco, mas permanece dono de uma das melhores carreiras subterrâneas do cinema americano, bem mais do que somente  o ex-produtor de Kubrick.

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