Da valoração do exploitation

Mandingo1

Vou escrever sobre Django para a Cinética, mas é difícil ao ler boa parte do que se produziu sobre o filme (aqui, mas também lá fora) não notar como certa preguiça por vezes se apodera do discurso crítico, especialmente na forma como se adota certas lógicas fáceis que acompanham o marketing do filme. 90% do que se escreveu sobre o filme parece bater na tecla de que se trata de uma sátira/homenagem ao faroeste italiano a começar pelo filme homônimo do Sergio Corbucci. Não deixa de ser curioso notar que não houve nem de longe a mesma insistência em conectar o mais bem visto Bastardos Inglórios com o filme do Enzo Castellari que lhe emprestava o nome, por sinal o protagonista daquele filme Bo Svenson está em Bastardos tanto quando Franco Nero neste, mas sem receber um décimo da atenção. Django Livre tem certamente sua dose de faroeste italiano (especialmente na sua primeira metade), mas descrevê-lo como tal é uma considerável má representação do que o filme tenta ser. É pegar algumas referencias e elementos de superfície e trata-los como se representassem o filme como um todo. Assim como Kill Bill e A Prova de Morte, Django Livre tem uma estrutura dual e a segunda parte do filme só é um western na medida em que a maior parte dos filmes históricos passados nos interior dos EUA por volta de 1860 costuma ser classificada como tal. É muito mais próxima dos dramas exploit de escravidão dos anos 60/70 do que qualquer um dos Sérgios (a critica do Sérgio Alpendre para a Interlúdio, de longe o melhor texto publicado por aqui sobre o filme, ao menos menciona Mandingo do Fleischer), mas estes filmes não tem o mesmo valor dos faroestes (eles são por demais incômodos para receberem o tratamento crítico dispensado hoje em dia aos italianos) e boa parte do discurso crítico a respeito das referencias de Tarantino frequentemente se confunde com consumo. É muito mais fácil retomar aos filmes italianos e fazer de conta que Django Livre é algum mash up de faroeste spaghetti e blaxploitation, as referencias são óbvias e já mais ou menos canonizadas,  e torna também o filme muito mais fácil delidar seja a favor ou contra.

8 Comentários

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8 Respostas para “Da valoração do exploitation

  1. Perfeito, Filipe.
    Algo semelhante acontece com todos os lançamentos do Woody Allen ultimamente. Parece que não se assiste ao filme e tira-se uma crítica pronta da gaveta, sempre muito reducionista…

    Além disso, é ótimo ver um crítico falando sobre a Crítica, ainda mais a respeito de um filme em cartaz. Parabéns.

    Abraço.

  2. Bem verdade. Eu estava sentindo um desconforto ao tentar escrever sobre o filme, e sua observação veio de encontro ao que eu vinha sentindo. Tarantino deixa tão visíveis os pontos de ligação de seus filmes que se torna muito fácil escrever no automático sobre eles. Referências são ótimas, mas e o objeto, como fica? Onde o lugar da sensibilidade? Já estamos entrando no cinema pautados.

  3. Críticas sobre os filmes do Woody Allen: “Este é mesmo um filme do Woody Allen, com as características dos filmes do Woody Allen!”.

  4. Curioso que esses exploitation de escravidão realmente deram uma sumida do imaginário (o que não aconteceu com os que retratavam nazistas, por exemplo). Talvez o mais conhecido ainda seja o “Addio Zio Tom”, meu preferido dos “mondo” de Jacopetti & Prosperi.

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