Obra Prima (Luc Moullet, 2010)

É curioso que Luc Moullet crítico seja conhecido hoje majoritariamente por uma daquelas afirmações sisudas da galera do Cahiers (“a moral é uma questão de travellings”) já que uma das melhores qualidades dele, seja como crítico seja como cineasta, é ser jocoso e incisivo ao mesmo tempo (basta ler por exemplo sua ótima demolição de Gilles Deleuze). Obra Prima conta com 13 dos melhores minutos de critica de arte que veremos este ano (e vale lembrar que Moullet foi o único crítico da geração dele que nunca deixou de escrever regularmente sobre filmes) e é também muito muito engraçado e geralmente as duas coisas no mesmo plano (a espinafrada no Jean Michel Frodon é genial). E Moullet não pega só os alvos mais fáceis como atesta a piada com as durações punitivas do Hitler do Syberberg e Shoah de Lanzmann. È uma defesa apaixonada de duas coisas: o oficio de olhar e o próprio curta metragem como formato. Sobre este segundo ponto e aproveitando da ótima retrospectiva de Moullet em cartaz aqui em São Paulo e no Rio (ainda vai para Brasília) é bom ressaltar que Moullet talvez seja o único grande cineasta a trabalhar ao mesmo tempo e com a mesma desenvoltura no curta e no longa-metragem. Somos adestrados a olhar numa mostra destas os programas de curtas como o complemento para a obra principal do cineasta (a Folha por exemplo só os identificou como programas de curta no guia), mas fazer isto com Moullet é ignorar muito do que torna-o um cineasta essencial. Recomendo em especial Catracas, O Complô dos Ouriços e Tentativa de Abertura. Parte do ponto de Moullet aqui é justamente como nos condicionamos a olhar certas obras. Obra Prima termina com A Viagem a Lua de Melies entrecortado pelo off apreciativo de Moullet e as duas pontas do seu ensaio se casam perfeitamente e como sempre tão perceptivo como engraçado.

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3 Respostas para “Obra Prima (Luc Moullet, 2010)

  1. Demolição de Deleuze pelo Moullet, sem dúvida (aliás, muito bem-vinda)… mas apenas em sentido humorístico! Em sentido crítico, nem tanto. Basta reparar que Moullet confunde (de propósito?) naturalismo filosófico (que é o usado nas lixeiras verdes por Deleuze, que aliás se reclama dessa tradição) com “representação naturalista”. O que seria grave num texto crítico, não o é num texto cómico…

    • Nem de propósito, encontrei isto ontem: «Sans parler du plus beau chapitre du livre [L’image-mouvement], consacré à “l’image-pulsion” et au naturalisme de Stroheim et de Buñuel (auquel Deleuze aurait pu ajouter, s’il l’avait connu, Imamura).» em Serge Daney, «Nos amies les images», La maison-cinéma et le monde, 2. les années Libé, p. 491.

  2. Vi hoje o “Obra-Prima?” e é mesmo brilhante. Gostei muito também do “O Império do Totó”, que passou em outra sessão. E “Tentativa de Abertura” me parece a confirmação de que Luc Moullet faz a ponte entre a nouvelle vague e Seinfeld.

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