Já a algum tempo tateio com está idéia que finalmente coloco em pratica: visitar/revisitar toda a filmografia do Howard Hawks em ordem cronológica. Em parte pelo prazer cinéfilo inegável que a obra dele me proporciona, mas muito também como exercício crítico. A carreira de Hawks afinal é “repetitiva”, com os mesmos temas, situações e por vezes personagens essencialmente reaparecendo em múltiplos filmes. É um cinema convidativo para uma abordagem autorista, mas também perfeito para exercermos certa preguiça crítica. Eu próprio tenho curiosidade em saber se ainda terei muito a dizer na altura de meado dos anos 50, espero que sim, já que parte do meu objetivo aqui é justamente buscar o que me fascina nestes filmes tanto nas suas generalidades como nas suas particularidades. Não pretendo fazer apartes sobre a crítica, mas o projeto é mesmo tanto sobre ela – e especialmente minha atividade nela – como sobre Hawks. Poderia fazer alguns artigos de auto-analise, mas tenho certeza que está série de textos será muito mais produtiva para mim e bem menos chata para vocês.
Algumas considerações gerais antes de começar:
– A idéia é cobrir um filme por semana, mas tenho certeza que falharei ocasionalmente. Pelas minhas contas cobrirei 38 filmes e me dou por satisfeito se Rio Lobo for coberto no fim de Abril do ano que vem. Espero que sejam pacientes já que a primeira metade da filmografia dele é marcada por filmes pouco vistos hoje: o primeiro que muitos devem ter visto, Scarface, é o 7º na minha ordem aqui e só a partir de Levada da Breca, o 16º, é que os filmes conhecidos se tornam mas comuns que as raridades. Eu mesmo só conhecia 3 dos primeiros 10 filmes (A Girl in Every Port, A Patrulha da Madrugada e Scarface), então estas primeiras semanas terão um olhar mais limpo da descobertas. Alias, usem estes textos de desculpa para ver os Hawks que não conhecerem, A Patrulha da Madrugada seria o melhor filme de 2010. Tenho certeza disso!
– Os textos vão ser mais longos do que o habitual aqui. Pelo menos 3 mil toques, mas prometo que nada tão interminável quanto os 22 mil que gastei com Rio Lobo uns 6 anos atrás.
– Como a idéia aqui é acompanhar a carreira completa de Hawks devo entrar com freqüência em detalhes de produção para dar um contexto maior aos filmes.
Howard Hawks partiu para as filmagens de Fig Leaves (26), tão longo acabara de finalizar sua estréia The Road to Glory. Segundo o diretor – sempre fonte questionável dada a sua mitomania – o segundo filme surgiu como espécie de resposta ao primeiro, numa tentativa de mostrar que poderia realizar um longa com grande apelo junto ao público (as descrições existentes sugerem que The Road to Glory era um melodrama um tanto pesado e muito pouco ao afeito do seu cineasta). Como empreendimento suas premissas são bem claras com uma estrutura tirada do muito popular Os Dez Mandamentos original de Cecil B. DeMille (prelúdio bíblico seguido de ação contemporânea) e uma trama cômica ligeira de guerra dos sexos com um par de atores muito populares (George O’Brien, Olive Borden). Começamos com Adão e Eva reencenando as agruras de um casamento num Éden todo anacrônico com um Adão turrão e uma Eva que não para de reclamar de que precisa de vestidos melhores até dissolvemos para os EUA em 1926 quando o encanador Adam Smith está as turras com a pressão da esposa Eve que quer uma mesada maior para poder comprar obviamente mais vestidos.
Se o gancho da estrutura é primeiramente uma forma de vender o filme junto ao espectador, ele termina por ser essencial ao projeto como um todo.Permitindo ao filme costurar uma sensação constante de permanência que termina diferenciando-o de outras comédias do tipo feitas á época. Não pelo contraste, a piada óbvia, ou pela simples repetição, mas pela forma como a postura de George O’Brien permanece imutável seja diante da estilização cartunesca do Éden ou do suposto naturalismo de estúdio das cenas contemporâneas. A comédia é a mesma no espaço absurdo como na ilusão do real, assim como o casal.
Fig Leaves se destaca pela sua forma arejada e moderna. É um filme que soa estranhamente atemporal na medida em que parece existir a parte do cinema da época. A concepção de comédia de Howard Hawks tem pouca relação seja com a boa ou com a má comédia muda, o que fica claro por exemplo na forma como o filme coloca ênfase na troca de diálogos nos intertítulos. O humor de Fig Leaves parece existir seis ou sete anos deslocado no tempo e ficaria mais a vontade na primeira época das screwball comedies.
Há algo de extremamente arejado no projeto do filme como um todo. Primeiro sinal da atitude “do que podemos fazer para nos divertirmos um pouco aqui?” que é tão freqüente na filmografia do diretor. As seqüências do Éden, por exemplo, estilizam toda a direção de arte e figurino de forma a criar um absurdo constante e brincar de forma jocosa com a percepção do espectador do que seria o paraíso (que termina soando mais com uma “idade da pedra” cartunesca do que o habitual sentido bíblico). Mais tarde, quando o diretor precisa filmar uma série de desfiles de moda – uma das complicações da trama é justamente Eve se tornar secretamente uma modelo – procura se evitar o tom protocolar da mesma maneira mesmo que contando com muito menos elementos para isso. Nesta busca acaba sendo muito útil a presença de George O’Brien cuja figura um tanto aborrecida poucas vezes fora tão bem utilizada.
Hawks é sempre um prazer. Tive um pouco de preguiça de ir atrás dos filmes mudos deles (só vi GIRL IN EVERY PORT), mas acho que vou à procura desse FIG LEAVES…
que empreitada boa! vou aproveitar e te seguir assistindo filme a filme.
espero encontrar os filmes.
Por essas e outras, você continua sendo o meu herói! hehehe
Abraço, e boa sorte com os textos.
Ótima ideia, Filipe, vou acompanhar com atenção.
Há anos quero ver “Fig Leaves” e nunca achei uma cópia decente.
Que inveja! Boa iniciativa, vamos acompanhá-lo!
Maravilha, Filipe! Talvez isso também me anime a ver mais filmes da fase muda.
Pô até que enfim botando isso aqui pra funcionar para além dos comentários
espero encontrar os filmes
Fig Leaves se destaca pela sua forma arejada e moderna
Puxa, muito legal o espaço. Pena que a iniciativa com Hawks não permaneceu até o fim…
Caso conheça o fórum Making Off, estamos homenageando o diretor neste mês de Maio/2011.
Muito prazer.