Meus 50 filmes favoritos de 2013

Como sempre o critério da lista é de filmes vistos pela primeira vez este ano que foram lançados originalmente no máximo em 2011.

Menções honrosas: Antes da Meia Noite (Richard Linklater), Bullet to the Head (Walter Hill), Cortinas Fechadas (Jafar Panahi), Deixe a Luz Acesa (Ira Sachs), Depois da Terra (M. Night Shyamalan), Double Play (Gabe Klinger), Easy Rider (James Benning), A Era Atômica (Helena Klotz), A Gente (Aly Muritiba), Gerhard Richter – Painting (Corinna Belz), Lincoln (Steven Spielberg), Mataram Meu Irmão (Cristiano Burlan), Meia Sombra (Nicolas Wackenbarth), Mouton (Gilles Deroo, Marianne Pistone), Mud (Jeff Nichols), Noite em Claro (Kun-jae Jang), O Mestre (Paul Thomas Anderson), Perret na França e Algeria (Heinz Emigholz), Real (Kiyoshi Kurosawa), Riocorrente (Paulo Sacramento), Rua Aperana 52 (Julio Bressane), Sacro GRA (Gianfranco Rosi), Shield of Straw (Takeshi Miike), Tudo Sobre Você (Alina Marazzi), White House Down (Roland Emmerich).

Uma última nota: caso o corte chinês de O Grande Mestre fosse à única versão existente do filme, ele provavelmente estaria na lista, mas o corte internacional tem tantos problemas e me passa a impressão que Wong subestima de tal modo à capacidade dos seus fãs ocidentais de lidar com um painel histórico chinês que eu me sinto por demais ambivalente para com o projeto como um todo para recomenda-lo aqui.

49) Avanti Popolo (Michael Warhman) e A Cidade é uma Só? (Adirley Queiroz)
13501349Dois belos filmes que lidam cada um a sua maneira com a questão de como encontrar uma representação viável para a herança do governo militar hoje. São dois filmes bastante inventivos que quebram com a passividade com o qual o cinema brasileiro costuma abordar o assunto e procuram novas formas de agir sobre ele. Avanti Popolo tem uma permanência de memória muito particular (apesar de eu ter uma dúvida se o efeito dela ser reforçado por eu conhecer ambos os atores centrais).A sequência próxima ao fim de A Cidade é uma Só? na qual o protagonista cruza a pé com a carreata da Dilma segue a mais memorável sequencia política do cinema brasileiro recente.

48) Unbeatable (Dante Lam)
1348Provavelmente o filme mais convencional da lista, qualquer descrição do filme de MMA de Dante Lam não fara com que ele soe diferente de dezenas de outros filmes de luta, mas é um exemplar dos mais bem-acabados do domínio de Lam do seu desejo de reduzir o filme de ação a melodrama masculino com uma nudez emocional que este tipo de material raramente alcança e Nick Cheung tem uma das melhores atuações do ano.

47) Lesson of the Evil (Takeshi Miike)
1347Um dos filmes mais controlados de Miike e como frequentemente acontece no seu cinema, quando ele corta os excessos é para reforçar a sua crueldade. Um dos grandes filmes de horror recentes e se torna ainda melhor na segunda metade quando vira um slasher sobre um professor psicopata fuzilando uma série interminável de alunos. Um amigo descreveu como Elefante repensado pelo Eli Roth, mas isto exclui tanto o cuidado com o qual Miike filma o massacre como a forma com ele pensa cada elemento de cena (a propensão do gênero em retirar prazer na morte de adolescentes irritantes raramente postas para tom bom uso, por exemplo).

46) Django Livre (Quentin Tarantino)
1346Não tenho muito a acrescentar ao texto que escrevi na Cinética no começo do ano. Segue um filme dos mais complicados, e fascinante muito por conto disso. É mais desequilibrado do que a maioria dos filmes do Tarantino, mas nos seus acertos e erros termina mais distante do academicismo pop que por vezes ele flerta com.

45) Já  Visto Jamais Visto (Andrea Tonacci)
1345Diante de organizar todo um material descartado de filmes abortados, Tonacci aposta na ideia simples de usar a figura do seu filho Daniel como mote central que dá continuidade a estas imagens permitem que elas recuperem uma segunda vida. O cinema brasileiro recente vem se revelando rico em filmes como este que buscam numa imagem suprimida uma possibilidade para estender o presente (filmes de montagem que recuperam e reescreve a velha máxima de que se não dá para fazer filme de cinema, se faz filmes sobre seu próprio cinema), mas nenhum conseguiu encontrar em suas imagens tamanha vida.

44) Rumo a Madri (Sylvain George)
1344Rumo a Madri é, na sua essência, um filme de rostos. O estilo de Sylvain George, com a sua fotografia em preto e branco marcante e um olhar rigoroso na construção de imagens pouco esperados num documentário realizado no centro da ação, é uma arte da permanência. O que o filme deseja é justamente resgatar suas figuras da abstração violenta da linguagem do grande noticiário e devolvê-las uma existência e especificidade próprias. As imagens de Rumo a Madri revelam uma grande fisicalidade, um desejo constante de cada corpo em se afirmar, em existir no seu estado de revolta.

43) Passion (Brian De Palma)
1343De Palma em meio ao seu exilio europeu, exilio de produção de imagens e não físico, numa farsa de imagens desgastadas. Filme crepuscular como nenhum outro na carreira do diretor, cuja força emerge menos da sua triste familiaridade, mas da forma como em seus melhores momentos parece disposto a abraçar o último Lang e reduzir tudo a uma série de composições geométricas, todo a opulência do seu maneirismo reduzido a depuração dos filmes finais de mestre.

42) O Vôo (Robert Zemeckis)
1342Após uma década fazendo valer sua misantropia através de literalmente transformar seus atores em animação, Zemeckis foi forçado pela circunstancia a retomar o live action num filme em escala menor e o resultado foi não só seu melhor filme em mais de duas décadas, mas uma obra de restauro do cinema narrativo americano como poucas no cinema recente, da sua muito expressiva atuação central (e o filme é um assumido veiculo de estrela) a sua abordagem cuidadosa de um conflito espinhoso, O Vôo retoma tradição com um pragmatismo e praticidade de quem não vê grandes vantagens na mera nostalgia.

41) Manakamana (Stephanie Spray, Pacho Velez)
1341Um filme construído sobre o peso da câmera e um achado estrutural (a similaridade entre a duração do rolo de16mm e a viagem de bonde dos peregrinos retratados). Spray e Velez se propõem filmar uma ascensão e uma descida e retirar delas um filme que, ao mesmo tempo, consegue se limitar àquilo que é capaz de registrar e, no processo, produzir um maravilhamento que parte deste olhar material para dar um salto rumo ao especulativo, movimento que nos lembra como parte da força do projeto Harvard Sensory Ethnography Lab surge justamente de se aproveitar do especifico do cinema para expandir as possibilidades de olhar etnográfico.

40) Palácios de Pena (Gabriel Abrantes, Daniel Schimdt)
1340As histórias perversas que as vovós contavam.  Das histórias que assombram a terra e as formas de representa-las enquanto se move adiante.

39) For Love’s Sake (Takeshi Miike)
1339O outro filme adolescente recente de Miike é o perfeito contraponto ao Lesson of The Evil (apesar da sua superfície colorida esconder uma boa dose de crueldade também). É Miike no seu modo liquidificador pop: romance masoquista, jovens gangues yakuza, filme adolescente nostálgico, interlúdios musicais. Se as canções fossem mais grudentas estaria vinte posições a frente na lista. Como frequentemente em Miike, For Love’s Sake mal para em pé, mas tenta tanta coisa que é difícil resistir a ele.

38) Journey to West (Stephen Chow)
1338A história do rei macaco é tão surrada na China que não só Stephen Chow protagonizou-a num dos seus filmes mais famosos (A Chinese Odissey, de 1995), mas o diretor daquela versão (Jeffrey Lau) já refilmou la novamente alguns anos atrás, mas Journey to West está menos interessado em revistar as glórias passadas do seu cineasta do que em encontrar um frescor insuspeito as margens dela.  O filme segue o movimento da década passada de Chow de um cinema de humor verbal para um cinema físico de corpos artificiais e cartunescos, é um filme sempre inventivo e curioso e um alento num período nem sempre dos mais inspirados de cinema popular. De quebra, a sequência inicial é uma maravilha de equilíbrio entre humor e coreografia de ação com poucos equivalentes no cinema contemporâneo.

37) Age Is… (Stephen Dowskin)
1337Cinema = luz sobre a passagem do tempo.

36) Lukas o Estranho (John Torres)
1336Lukas o Estranho é um filme infantil. Não numa perspectiva de gênero, mas de olhar. Busca-se mais do que simplesmente traçar uma descoberta e um processo de aprendizado, mas recuperar para o cinema um momento primeiro do olhar.  Não como um elogio à ingenuidade, mas de uma inocência da ordem da relação câmera e objeto. No processo, Torres constrói um belo filme sobre o aprendizado, sobrea história e sua representação.

35) Out-Takes From a Life of a Happy Man (Jonas Mekas)
1335Supostamente trata-se do ultimo filme diário de Jonas Mekas, se confirmar-se será uma bela forma de encerrar a série. O título é dos mais justos.

34) Wolf Children Ame & Yuki (Momoru Hosada)
1334Assim como Lukas o Estranho, é um filme de aprendizado, aqui um anime sobre uma mãe a criar um casal de crianças que calham em ser híbridos de homem e lobo. O fantástico e a imaginação muito bem usados para tornar o drama ainda mais envolvente, que empresta ao ato de crescer todo um encantamento sem que com isso o filme se desvie das dificuldades da mãe e dos filhos. Menos visualmente expressivo do que o melhor Miyazaki, mas difícil encontrar uma animação tão emocionalmente eficaz.

33) Ip Man: The Final Fight (Herman Yau)
1333A principio um sub produto pensado na esteira dos Ip Man de Donnie Yen e de O Grande Mestre, mas nas mãos de Herman Yau se torna um rico panorama social de Hong Kong nas duas décadas pós II Guerra que usam o biografado como um fio condutor. Um filme em chave decididamente menor – o Ip Man de Anthony Wong longe do tom bombástico de Wilson Yp e Wong Kar wai chega até nos como um pai austero se bem intencionado – com um claro subtexto que deseja resgatar seu personagem central dos limites do blockbuster chinês (algo que Yau já fizera com sucesso pouco antes com The Woman Knight of Mirror Lake, uma das melhores cinebiografias chinesas recentes). Um belo exemplar das virtudes de Yau, cineasta cuja força (e limite de exposição por estes lados) surge justamente de como sempre pensa as coisas em termos locais.

32) A Loucura de Almayer (Chantal Akerman)
1332Chegando bem atrasado  a este por não ter ido ao Festival do Rio de 2011. Um filme bastante consciente de uma história de representações tanto de fantasias pró e anticolonialistas, num constante estado suspenso entre oriente e ocidente como seus personagens. O filme também não deixa de sugerir uma versão colonialista de Le Captive.

31) Parque do Povo (Libby B. Cohn, J.P. Sniedecki)
1331Parque do Povo acaba por resgatar o sentido baziniano do plano de longa duração. Podemos finalmente retomá-lo no que traz não de tecnicismo, não da primazia do autor, mas a do olhar, a do espectador diante da imagem. No movimento constante de Parque do Povo, do diálogo que se estabelece na troca de olhares entre Cohn, Sniadecki e mesmo os muitos chineses que cortam seu plano, o plano-sequência escapa da clausura e recupera sua liberdade.

30) P3ND3J05 (Raul Perrone)
1330Filme de fantasmas. Em algum lugar entre o filme mudo e o musical. De uma generosidade e curiosidade para com universo retratado (dos jovens skatistas de Buenos Aires) notáveis.  Opera langiana de desfecho inevitável. Entre os muitos belos filmes de 2013, poucos se revelam tão inclassificáveis e dispostos a seguir um caminho próprio. A julgar por P3ND3J05 e o outro filme do Perrone que conheço, uma retrospectiva da sua obra por aqui é algo urgente.

29) Travelling Light (Gina Telaroli)
1329Sobre luz e movimento e como o cinema está sempre um instante atrás da ação tentando encontrar uma representação e sentido para ela.

28) Blind Detective (Johnnie To)
1328Os filmes de Johnnie To podem facilmente ser divididos entre seus trabalhos solo e suas parcerias com Wai Ka Fai que trazem sempre um gosto mais explicito pela desconstrução que obrigam o trabalho vigoroso de encenador de Toa se adaptar. Blind Detective é um dos exemplares mais redondos da parceria To-Wai ao mesmo tempo uma comédia vulgar exemplar (e engraçadíssima) que recupera um pouco do melhor da história do cinema popular de Hong Kong e ao mesmo tempo equilibra uma variação de tons e registros com uma sofisticação própria.

27) A Gatinha Esquisita (Ramon Zurcher)
1327A cozinha de um apartamento classe média como palco para um coreografia de corpos, animais e objetos em algum lugar entre Akerman, Ozu e Tati.

26) Centro Histórico (Aki Kaurismaki, Pedro Costa, Victor Erice, Manoel de Oliveira)
1326Caso eu tivesse optado por votar exclusivamente no episódio assombrado do Pedro Costa ele estaria no top 10, mas o ensaio sobre a falência do estado de  bem estar europeu do Victor Erice também é forte demais para não receber uma menção e o curta do Manoel tem a graça particular que costuma animar suas contribuições a filmes do gênero.

25) Young Detective Dee: Rise of the Sea Dragon (Tsui Hark)
1325Tsui Hark segue revitalizando o blockbuster chinês por pura imaginação e invenção. Esta prequel para o primeiro Detetive Dee não chega a ser tão forte quanto o filme original, mas tem tantas imagens e cenas memoráveis que isto é um detalhe. O mistério é só semi-compreensível, mas serve de desculpa para Tsui lançar mão das mais variadas situações e tipos. O clímax no seu misto de engenhosidade e artifício é a melhor sequencia de ação do ano (e curiosamente assim como a abertura de Journey to West, sua única concorrente, envolve monstros de CGI questionáveis tentando trazer personagens para dentro do mar enquanto o filme encontra mais e mais formas de expandir a situação inicial).

24) Leviathan (Lucian Castaing-Taylor, Verena Paravel)
1324Um documentário sobre produção como uma forma de horror. Leviathan é um filme que conta com universo de imagens únicas, mas a sua grande força vem de seu poder de instalação especialmente por conta do seu elaborado trabalho de som.

23) Educação Sentimental (Julio Bressane)
1323Educação sentimental segundo Julio Bressane é exatamente o ato de se deixar impregnar pelas coisas. É cinema pedagógico que nos devolve a um olhar cultivado pelo cineasta ao menos desde seu retorno do exilio. Não a toa trata-se do último filme em película ou algo perto disso.

22) Um Toque de Pecado (Jia Zhang-ke)
1322Muito como a sociedade chinesa contemporânea, Um Toque de Pecado é um filme suspenso entre tradição e modernidade, uma crônica policial extraída do Weibo (o twitter chinês que segue uma dos poucos espaços no qual este tipo noticia consegue ser divulgada) no qual flerta-se aberta com um sem número elementos de cultura chinesa (King Hu é referencia óbvia, mas o filme se estrutura como uma coleção de contos típica de literatura clássica chinesa, o episódio da Zhao Thao faz múltiplas referencias a lenda das irmãs cobras, etc.). É um filme de crise, que responde a ela com uma releitura fulleriana da tradição, que partilha da crença de que a única forma de dar conta de tal crise é um ataque frontal sem vergonha da própria vulgaridade.

21) Exilados do Vulcão (Paula Gaitan)
1321Vi muitos comentários sobre Exilados do Vulcão que se concentram nas qualidades plásticas do filme, mas para mim o que torna o filme especial é justamente a pegada forte que ele tem quando se fecha sobre seus personagens. As cenas entre casais sempre vem carregadas de algo muito duro, sente-se que existe bem mais ali do que só um desejo de beleza, deque cada troca traz com ela um sentimento próprio de brutalidade. Um filme que começa no especulativo e termina chegando num lugar bem especifico e concreto. Acho curioso o efeito constante de tentar enquadrar Exilados num universo de referencias (Mallick, Denis, Hou, LFC, etc.) já que um dos pontos altos do filme é justamente como ele consegue sugerir um dialogo com muita coisa sendo feito no cinema hoje sem soar estudado e derivativo como vários filmes brasileiros recentes que buscam tal dialogo.

20) Bastardos (Claire Denis)
1320Claire Denis vai até Santuário de William Faulkner para dali extrair um filme no qual todo o prazer sensorial do seu cinema vai aos poucos contaminado por um mal estar contemporâneo. Espécie de contra plano negativo de 35 Doses de Rum e seu filme mais raivoso desde  Trouble Every Day, sem o escape dos planos noturnos que aquele filme proporcionava. Um filme de detetive cujo mistério não se localiza na trama, mas na própria textura das suas imagens. Qual o lugar para uma apreensão poética de um mundo doente?

19) História da Minha Morte (Albert Serra)
1319Uma pastoral de horror no qual a razão marca tempo até sua derrota inevitável diante do fantástico.  Começa com bom humor e terminar perturbador. A atmosfera de horror rústico me trazia a mente Night of the Devils do Giorgio Ferroni, o que me fez pensar em como apesar de Serra estar distante de ser um cineasta narrativo, parte da força dos seus filmes reside justamente no misto de mergulho concreto no natural e curiosidade para com toda uma tradição de fabulação europeia.

18) A Garota de Lugar Nenhum (Jean-Claude Brisseau)
1318Frequentemente se menciona as similaridades entre Boda Branca (1989) e A Primeira Noite da Tranquilidade (1972) do Valério Zurlini, mas este novo filme do Brisseau me faz pensar ainda mais no clássico do mestre italiano, ele até poderia se chamar A Primeira Noite da Tranquilidade. Outra longa espera pela morte, que Brisseau interprete o personagem central e filme no seu próprio apartamento só reforça o poder assombrado do filme. O uso de luz por si só já lhe justifica.

17) Deste Lado da Ressurreição (Joaquim Sapinho)
1317Há próximo ao fim de  Deste Lado da Ressurreição um momento em que o casal de irmãos (um monge surfista e uma estudante secundarista) se desencontra por pouco e Sapinho faz um corte que os reaproxima a despeito da distancia por meio do cinema que talvez seja meu momento favorito entre todos os filmes que vi em 2013, todo que a narrativa austera que o filme articulava até ali resolvido num movimento cinematográfico que poderia facilmente emergir de um romance de Borzage de 1937. Não que este belo filme de Sapinho se reduza este momento: das sequencias de surf iniciais, a garota na escola – e o filme capta muito bem o deslocamento em meio a multidão de alunos tão comum na experiência na escola, mas incomum no cinema – até a liturgia e expiação no mosteiro e ao seu uso de luz natural, Deste Lado da Ressurreição mais do que justifica seu título evocativo.

16) O Ato Indizível (Dan Sallitt)
1316Mais expansivo do que os filmes anteriores de Dan Sallitt e com um trabalho de construção do espaço intimo familiar que chega a lembrar Ozu, O Ato Indizível é um dos melhores filmes sobre o momentos finais de adolescência que me lembro encontrar. Como mencionei no meu artigo da última edição da Cinética parte do prazer do cinema de Sallitt é como ele parte de uma série de procedimentos associados ao cinema europeu e os aborda num tom direto e pragmático que poderia vir de um filme de Howard Hawks. Este é de certo o menos escandaloso filme já feito sobre incesto. A atriz principal Tallie Medel é um achado.

15) O Último dos Injustos (Claude Lazmann)
1315A entrevista com Benjamin Murmelstein, último administrador do gueto judeu modelo que os nazistas mantiveram até o fim da II Guerra, que está no centro deste filme novo de Lanzmann é de 1975, portanto está mais distante de nós do que dos eventos que ela relembra. Lanzmann tem consciência disso, tem consciência de como todo seu longo projeto de entrevistas pertence ele próprio a outro tempo, de que é necessário agora construí duas pontes de ressonância histórica entre o período nazista e 75 e entre 75 e hoje.  O Último dos Injustos lança um olhar sobre todo um amplo processo de passagem da história (o próprio Lanzmann é não por acidente alavancado a co-protagonista).

14) Tip Top (Serge Bozon)
1314A comédia experimental de Serge Bozon sobre as formas como optamos por ver e não ver é o filme mais subestimado de 2013. Tudo nele é tomado pelo que tem de mais aparente e por isso mesmo se revela com frequência invisível.  É um caso raríssimo no cinema de um filme sobre o ato de ver ao qual o foco não é o voyeurismo do espectador, mas um desejo de retorno a primazia do olhar. É também um dos trabalhos mais perspicazes do cinema recente sobre a figura ao mesmo tempo invisível e incomoda do imigrante africano na Europa.

13) Stemple Pass (James Benning)
1313Quatro estações, quarto planos da mesma cabana vista a distancia enquanto o cineasta lê trechos do diário do Unabomber. Genuíno filme terror mesmo que não contenha uma imagem gráfica que permanece de forma perturbadora na memória. A natureza aos poucos se revela ao mesmo tempo encantadora e aterradora. Talvez o ponto alto até aqui da fase digital de Benning e um dos seus mais diretos filmes de intervenção.

12) Our Sunhi (Hong Sang-soo)
1312Poderia se chamar múltiplas formas de se filmar uma conversa a dois de bar. Como o enunciado do seu título já anuncia, Our Sunhi é um filme sobre o esforço de uma jovem de se afirmar em meio a uma série de olhares masculinos que procuram enquadra-la nos seus desejos, um filme no qual o desejo se confunde justamente com uma afirmação da vontade de olhar. Our Sunhi é um dos filmes mais engraçados da carreira de Hong Sang-soo, mas seu humor esconde uma considerável dose de melancolia e amargura, sua batalha dos sexos (ou de olhares) nunca pareceu tão irreconciliável.

11) Estranho no Lago (Alain Guiraudie)
1311Um Dia no Campo de Renoir transposto para um tempo em que a ideia de desejo vem acompanhada sempre de um constante risco que torna o prazer ainda mais embriagante (um amigo propôs de que se tratava da versão ocidental de Mal dos Trópicos, o que é quase o mesmo). O que torna Estranho no Lago, porém, um dos grandes filmes do ano é o casamento improvável que propõe entre uma mise en scene pensada e elaborada até a quase asfixia e um desejo de se perder no sensorial de cada espaço e gesto.

10) A Vingança de uma Mulher (Rita Azevedo Gomes)
1310O drama surge através de palavras – assim como outros dois belos filmes portugueses da lista do ano passado, Tabu e A Última Vez que Vi Macau, o filme é na sua essência, o ato de alguém, a excelente atriz Rita Durão, contando uma história – mas Rita Azevedo Gomes encontra uma forma de transformar tais palavras em carne e vísceras, a ferida aberta de uma mulher que contamina todo o quadro. A Vingança de uma Mulher é tão perfeitamente encenado a sua maneira quanto o Rivette ou Resnais tardios. Ele encontra algo profundamente físico nas mecânicas do melodrama do século XIX, é um filme ao mesmo tempo fora do seu tempo e muito refrescante. Uma serie de ilusões e enganos que se tornam através do cinema tão dolorosamente concretos quanto o quarto vermelho que se desdobra como o local de trabalho e tumulo da personagem central.

9) Cães Errantes (Tsai Ming-liang)
1309Lee Kang-sheng ganha uma família e parece ainda mais miseravelmente só do que de costume. Trata-se do primeiro longa digital de Tsai e o formato lhe redobra o olhar radical, menos na duração como foi muito observado, mas na relação com corpos e espaço. É um filme de paisagens violentadas pelo tempo e rostos cansados, em cada lugar e face se revela muito expressivos. Se a matéria prima central do cinema de Tsai Ming-liang sempre foi o corpo de Lee Kang-sheng, se o seu desejo maior sempre foi procurar formas de melhor encena-lo com força, aqui o que o filme procura é dar forma a sua presença cansada, encenar um último adeus. As linhas do seu rosto que pronunciam que Lee já não é mais o garoto que o cineasta achou num árcade em 1989, mais um homem cansado tem uma ressonância muito forte. O corpo devastado de Lee kang-sheng se revela uma nova versão do cinema abandonado de Adeus Dragon Inn (2003). Ao cinema de Tsai Ming-liang, não haverá forma mais dolorosa de encenar seu fim.

8) Norte, o Fim da História (Lav Diaz)
1308Fala-se muito da longa duração dos filmes de Lav Diaz já que ela rende facilmente os fait divers que tanto interessam ao jornalismo cultural, mas a duração em seus filmes tem pouca relação com velocidade, planos longos, tempos mortos, etc. (não que estes não surjam quando o filme pede por eles), mas com uma necessidade narrativa. A duração em Norte é um conceito literário, parte de um desejo de acumular o maior numero possível de detalhes sobre o seu mundo, o filme dura quatro horas porque seu mundo e a narrativa que se constrói a partir dele assim pede. Diaz é um exímio contador de histórias e Norte é um filme bastante compacto nas suas quatro horas, nada nele sobra e a sua duração é essencial para que seus três personagens centrais se recusem a existir como ilustrações de uma tese sobre a violência social filipina.

7) Museum Hours (Jem Cohen)
1307Publicarei um artigo sobre o filme na próxima Cinética então serei breve. Um belíssimo filme sobre como ver e animar as coisas a sua volta. Muito mais do que Leviathan, um raro filme ao qual pode se dizer te permite ver as coisas com novos e livres olhos.

6) A Imigrante (James Gray)
1306A Imigrante se abre com uma imagem muito simbólica de chegada (a estatua da liberdade filmada de costas pouco receptiva) e se fecha com outra assombrada de uma partida (Cottilard e Phoenix ambos indo para seus diferentes destinos), entre estes dois momentos tão carregados de possível significado Gray busca instalar um drama de sobrevivência que parte de um dos seus mais arriscados desafios. No centro de A Imigrante reside a questão como encontrar uma profunda entrega emocional num material cujo principio é o do mais completo pragmatismo? Mais do que qualquer outro filme do cineasta, este seu novo trabalho procura lidar com as duas pontas soltas do seu apelo, as dilacerantes explosões dramáticas que trazem consigo um sentimento constante de personagens num limite de dissolução e o cuidadoso trabalho de tapeçaria social que ele tão bem observa, e localizar nelas tanto o quanto dialogam como o que tem de irreconciliáveis. A grandeza de A Imigrante está justamente como na altura do seu último ato ambos se costuram com tamanha precisão para ampliar o impacto emocional da empreitada.

5) O Ato de Matar (Joshua Openheimer, Christine Cynn, Anonymous)
1305Há de certo uma grande sessão dupla possível entre O Ato de Matar e Norte, ambos filmes de terror sobre as possíveis relações doentias entre linguagem e barbárie. Aqui, o que temos é o oposto do filme de Diaz, um problema de linguagem no qual faltam palavras que permitam representar um genocídio de estado. Cabe ao filme justamente refletir sobre os diferentes papéis do cinema dentro de tal cenário.

4) Drug War (Johnnie To)
1304O primeiro thriller chinês do To, uma delicada operação de equilíbrio de elementos tão eficaz quanto subversiva. O velho clichê do gangster da China continental a solta em Hong Kong é virado do avesso aqui, mas podemos dizer que mais que um filme sobre gangsters de Hong Kong a solta na China, temos uma equipe de cinema deHong Kong na mesma situação. Uma narrativa de infecção, depois que a guerra do título esta nas suas veias não a saída possível, mas a da morte violenta. Pode-se até dizer que o filme é um longo pesadelo do condenado a morte (ele se sustenta todo no fato que o trafico de drogas seja punido na China com a pena de morte). Há ninguém é permitido existir para além das suas funções especificas nas engrenagens, cada personagem condenado a expirar no momento que sua função se estingue num filme que termina por cancelar cada corpo que passeia pelo seu quadro.

3) A Filha de Ninguém (Hong Sang-soo)
1303O primeiro filme de Hong Sang-soo sobre pais e filhos é também um dos seus mais pesados desde seus primeiros longas. Um filme sobre abandono como o titulo anuncia. A Filha de Ninguém é um filme marcado pela desconfiança, se o cinema de Hong Sang-soo é um cinema dominado por uma série de duetos e triangulações, aqui tudo se encaminha para isolar os personagens consigo mesmos. O aprendizado para Haewon é o de andar com as pernas próprias diante de uma existência cruel.

2) E Agora? Lembra-me (Joaquim Pinto)
1302O gesto maior de Joaquim Pinto já está constituído na pergunta/afirmação do título: E Agora? Lembra-me. Diante de um dilema, da incerteza da vida, segue a necessidade de uma afirmação, a crença de que o cinema pode nos ajudar a colocar uma perspectiva maior sobre as coisas. “Lembra-me” sugere que o filme age sobre Joaquim, e é fácil observar de que se trata de um filme necessário para ele, que o ato de construir estas imagens torna o processo do tratamento muito mais suportável para o cineasta, mas a conjunção das duas frases sugere justamente como o filme se abre para todos nós, de como ele parte de uma dor particular e tenta dialogar com cada espectador. E Agora? Lembra-me é o oposto de um espetáculo egocêntrico, o que ele quer ao opor esta pergunta/afirmação é justamente tentar dividir uma experiência com todos nós, uma experiência que só é possível por tudo que Joaquim Pinto passou e representa, mas que não se restringe a ele.

1) Vocês Ainda Não Viram Nada (Alain Resnais)
1301Pode-se a principio pensar que Vocês Ainda Não Viram Nada é mais uma das explorações cênicas que Resnais pós-Melo, mas há uma ruptura aqui que de certa forma o aproxima mais de uma leitura particular das ficções autoconscientes de Jacques Rivette. Já não bastara dar vida a um corpo, animar uma ficção esquecida como em Na Boca, Não, é preciso ir além, marcar posição na casa de ficção e regenera-la. Se Medos Privados em Lugares Públicos podia ser visto como apoteose do seu projeto pós Melo, e Ervas Daninhas lhe conferia uma bem vinda dose doentia de perigo, Vocês Ainda Não Viram Nada radicaliza esta última lançando-o a num caos. Aos planos de Resnais já não bastaram somente reagir as palavras de Anouilh e a presença dos seus atores, haverá esta outra imagem sobre o qual o filme também precisara dar conta. Os textos de Anouilh se estilhaçam ao longo do filme, suas múltiplas sobreposições comentam uma sobre as outras, o papel de Resnais mais do que nunca o de um mestre de cerimonias que facilita a ponte entre cada um deles.

9 Comentários

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9 Respostas para “Meus 50 filmes favoritos de 2013

  1. Parabéns pela lista. Se der, faça um top 100.

  2. Henrique Akira

    Boa lista, especialmente porque foge do lugar-comum da maioria das listas que vi. Com isso, conseguirei “pescar” vários filmes para ver e com comentários para direcionar meu gosto pessoal nesta busca. Muito obrigado.

  3. Robson Sousa

    Ótima lista! Várias dicas de filmes a serem descobertos.
    Você chegou a ver o At Berkley? Ou apena não apreciou?

  4. Marco

    Muito legal, quero ver vários que perdi

  5. Pingback: Sobre descobrir novos filmes em listas obscuras | diversitá

  6. Vou ficar antenado, tem alguns que parecem bem interessantes para o meu gosto. Valeuu

  7. gostei mas acredito que Django Livre poderia ficar na frente de IP man e O Voo.
    Batman Begins cabe ai….conta com clareza um maiores personagens pop da historia,alem claro na historia,sua motivacao e ideologia.
    Descobri o blog a poucos,muito legal.

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